Friday, April 26, 2024

K-Tzenik e Stalag: As Origens Literárias do Nazi-Exploitation



O gênero que conhecemos hoje como nazi-exploitation surgiu na literatura judaica, mais especificamente na obra do autor Yehiel De-Nur, ou K-Tzenik 135633, como é mais conhecido. Nascido em Sosnowiec na Polônia em 1909, K-Tzenik foi um dos primeiros sobreviventes do Holocausto a escrever a respeito dos horrores cometidos em Auschwitz pelos alemães. Seu livro mais famoso foi House of Dolls (1953) onde uma personagem judia é aprisionada e enviada para a Joy Division (divisão do prazer) do campo, uma ala onde ela deveria servir como prostituta para os oficiais da SS. A líder desse “campo do amor” era uma oficial chamada Elsa, protótipo da personagem título do maior clássico do cinema nazi-exploitation, Ilsa - She Wolf of the SS. (1975).

O nome K-Tzenik é acrônimo das letras KZ, que são a sigla de Kozentrationlager, ou “campo de concentração” em alemão. Já o número 135633 estava tatuado no braço do autor, e era a única identidade que ele possuía em Auschwitz. Assim, assinando os livros como K-Tzenik 135633, o autor procurava escrever não em nome de um indivíduo, mas de todos os que foram vítimas dos campos.





Em seus livros, K-Tzenik exorcizou sua experiência de uma forma catártica. Suas histórias não tiravam o pé do acelerador quando se tratava de representar o sexo e violência presentes nos campos. Seu primeiro livro, Salamandra (1946), se passa numa versão fictícia do Gueto de Varsóvia, e envolvem momentos de puro brilhantismo literário, como aquele em que o protagonista descreve um forno do lado de dentro. Em uma obra posterior, The Called Him Piepel (1961) o autor conta história de um garoto usado como escravo sexual por um kommando dentro de um campo de concentração.

Foi através da obra de K-Tzenik que a maior parte da geração de judeus israelitas nascidos depois do fim da guerra conheceu os horrores do Holocausto. Ele continuou lançando novelas no tema até o final dos anos 1980, e veio a falecer em 2001. Sua identidade revelada ao público em 1961, em Israel, quando ele testemunhou no julgamento de Adolf Eichmann, o organizador do Holocausto. Encarando Eichmann frente a frente, K-Tzenik - ou melhor, Yehiel De-Nur - desmaiou e teve que ser levado ao hospital com os nervos em frangalhos.

Ironicamente, foi esse julgamento que deu popularidade à chamada literatura Stalag. Essas eram novelas baratas, vendidas como sendo traduções de originais americanos, mas que eram na verdade redigidas primeiramente em hebraico. Os Stalags contavam histórias de campos nazistas onde prisioneiros americanos eram feitos reféns por voluptuosas oficialas, loucas para levá-los para a cama. Os livros Stalag já circulavam há algum tempo, mas suas vendas cresceram exorbitantemente com o julgamento de Eichmann, e por sua vez iriam gerar o que conhecemos como cinema nazi-exploitation.

Lançado em 1961, Stalag 13, o livro Stalag de maior popularidade durante o julgamento, possui uma trama bastante parecida à de Ilsa, She Wolf of the SS, na qual um piloto inglês é feito prisioneiro e submetido a diversas práticas sexuais bizarras, incluindo estupro e sadomasoquismo. Assim como em Ilsa, os prisioneiros conseguem reverter o jogo. O livro alcançou vendas exorbitantes que chegaram a 80 mil cópias vendidas, e várias imitações se seguiram.

I Was Colonel’s Schultz’s Private Bitch apresentou uma protagonista feminina, uma jovem francesa prisioneira em um campo comandado pelo temível Coronel Schultz. A tendência, ao contrário da obra de K-Tzenik, é utilizar protagonistas que são prisioneiros de guerra, e não judeus sendo enviados para o extermínio. Apesar disso, o livro foi banido de Israel em 1963, e todas as cópias foram queimadas.



Isso não impediu o sucesso dos Stalags, que continuaram com toda força até 1965. Assim como a obra de K-Tzenik, os Stalags foram a porta de entrada para muitos jovens judeus para conhecerem o que havia acontecido ao seu povo durante a guerra. Não se pode também subestimar o fato de serem a única literatura erótica amplamente disponível no país na época, o que sem dúvida contribuiu para sua popularidade. A partir do banimento de Colonel Schultz, os livros Stalag foram declarados ilegais em Israel, mas continuaram circulando por muito tempo em cópias piratas. Algo semelhante aconteceria mais tarde quando os filmes do subgênero nazi-exploitation foram declarados ilegais na Alemanha.

O relacionamento entre o Coronel Schultz e a vítima protagonista foi a base para diversos filmes nazi-exploitation. Pode-se fazer um paralelo com o relacionamento possessivo entre Tania Nobel e Herr Erner em Deported Women of the SS Special Section; ou a obsessão maligna e destrutiva que o Comandante von Starker nutre por Lise Cohen em Gestapo’s Last Orgy. Nos dois casos, as heroínas fazem uso desse poder sobre seus captores, senão para reconquistar a liberdade, ao menos para dar o troco por todo o sofrimento causado pelos nazistas.

Friday, April 19, 2024

Blitzkrieg: Escape from Stalag 69 (2008)



Em 2008, o cineasta independente Keith J. Crocker tomou para si a missão de revitalizar o gênero nazi-exploitation com o filme Blitzkrieg: Escape from Stalag 69. O timing era excelente, já que Werewolf Women of the SS havia sido lançado na sessão dupla de Grindhouse no ano anterior, e uma leva de filmes no mesmo estilo estava sendo lançada. Conversei com Crocker na época e ele me enviou o DVD de seu filme para que eu o resenhasse no blog antigo. Infelizmente, não fui capaz de fazer uma crítica positiva.

Blitzkrieg: Escape from Stalag 69 é uma zona sem nada de interessante. A trama se passa num campo de prisioneiros liderado por Helmut Schultz (Charles Esser, péssimo), um comandante sádico supostamente baseado na figura de Charles Manson. A caracterização de Schultz é patética, com um sotaque alemão forçado e uma farda da SS pequena demais para ser abotoada no peito.



A trama dedica bastante tempo a Schultz, mas há mais personagens coadjuvantes aqui do que em Magnólia. Há uma dançarina de cabaré, um valoroso soldado americano, a irmã de Schultz que tenta seduzir esse soldado, um padre vitima de experimentos, entre tantos outros que servem para esticar a duração do filme a imperdoáveis duas horas.

Entre tantos personagens, o destaque é Natasha, interpretada por Tatyana Kot, uma mulher russa que castra um nazista na banheira (homenagem ao clássico exploitation A Vingança de Jennifer) e escapa nua, usando apenas botas e uma metralhadora para matar mais nazis. Se o filme tivesse se focado nela, talvez teríamos algo digno de nota.

A produção do filme é preguiçosa, com direito a água digital numa cena de tortura por afogamento e personagens femininas com tatuagem lombar em pleno ano 1945. Tudo isso poderia ser perdoado se o filme fosse mais curto e tivesse características próprias do gênero, como o bordel nazista ou o campo do amor. O mais perto que chega disso é uma curta cena com uma criatura feita por experimentos científicos, semelhante à de Beast in Heat, mas ela aparece por pouco tempo. No mais, uma tremenda oportunidade perdida e uma tentativa fracassada de revitalizar o nazi-exploitation.

Friday, April 12, 2024

Werewolf Women of the S.S. (2007)


Em 2007, Quentin Tarantino e Robert Rodriguez lançaram o projeto Grindhouse, onde propunham uma sessão dupla de filmes inspirados no exploitation setentista. Rodriguez foi responsável por Planeta Terror, um divertido filme de zumbis que, no entanto, falha em capturar o espírito dos filmes da época. Tarantino foi mais bem sucedido com À Prova de Morte, um tributo a filmes de corrida de carro. Ensanduichados entre os dois longas, havia quatro trailers falsos: Machete (de Rodriguez), Thanksgiving (de Eli Roth), Don't (de Edgar Wright) e Werewolf Women of the S.S., de Rob Zombie.

Werewolf Women of the S.S é uma homenagem ao cinema nazi-exploitation, trazendo em sua curta duração diversos elementos caros ao subgênero. Zombie, que a princípio considerou fazer um WIP (filmes de mulheres na prisão), entende a anarquia narrativa que impera em filmes como Beast in Heat e os nazi-exploitations de Sergio Garrone—suas maiores influências aqui.



Werewolf Women of the S.S se passa no Campo da Morte 13, onde o tenente Boorman (Tom Towles) recebe um comando do Commandant Franz Hess (Udo Kier) para administrar o Projeto Puro Lobo, um experimento científico que transformaria mulheres em super-soldadas lobisomulheres. O Puro Lobo é o projeto de estimação do Dr Heinrich von Strasser (Bill Moseley), um cientista louco inspirado em Josef Mengele que faz experimentos com prisioneiras para atingir os seus objetivos.

Puro Lobo se torna uma prioridade para os nazistas, que precisam apelar para a ajuda das She Devils of Bedlzak: as irmãs Gretchen (Sybil Danning) e Eva Krupp (Sheri Moon Zombie). O trailer não deixa claro qual seria a participação delas, exceto de que são duas irmãs sádicas que são mostradas marcando suásticas com ferro em brasa em prisioneiras. Eva é mostrada também cantando uma canção em alemão num palco improvisado, levando Boorman às lágrimas.



Com a chegada dos Aliados, os nazistas precisam apelar para a ajuda do arqui-vilão Fu Manchu (Nicolas Cage), um criminoso chinês advindo dos livros pulp de Sax Rohmer. Cage está obviamente histérico, e o fato de não termos um filme inteiro com ele fazendo Fu Manchu é um absurdo. O vilão parece mais preocupado em conseguir um cinnabon (uma espécie de pão de canela) do que em dominar o mundo. A verdade é que Cage se ofereceu como ator para Zombie durante um encontro social, mas não sentia confortável interpretando um nazista. Daí surgiu o conceito de incluir Fu Manchu na trama.

Apesar de Grindhouse ter sido um fracasso de bilheteria, dois de seus trailers se tornaram longas: Machete e Thanksgiving. As chances de Rob Zombie transformar Werewolf Women of the S.S em um longa são mínimas, ainda mais depois que Tom Towles morreu e Udo Kier se recusou a trabalhar com o diretor de novo. Zombie chegou fazer uma canção com o título do filme, e prometeu transformar a trama em história em quadrinhos, mas o projeto não vingou. Por enquanto, Werewolf Women of the S.S se sustenta como o último representante legítimo do nazi-exploitation.

Friday, April 5, 2024

Fantasmas de Sodoma (1991)



 O ano é 1991. O nazi-exploitation já está destruído, morto, enterrado e esquecido. Eis que uma estranha produção surge na TV italiana. Uma película dirigida pelo mestre Lucio Fulci, famoso por obras como Zumbi - A Volta dos Mortos, A Casa do Cemitério e Terror das Trevas.

Já longe de sua época de glória, Fulci preparou um filme de fantasmas tedioso e esquecível, mas que ainda assim foge do convencional e algumas ideias interessantes. Na trama, um grupo de amigos em viagem de férias vai pedir ajuda num casarão quando o seu carro quebra. Aparentemente abandonada, a mansão se mostra suntuosa do lado de dentro, com grandes quartos, mobiliário caro, comida e bebida à vontade e alguns estranhos rolos de filme.

O casarão foi palco da última orgia de um grupo de oficiais nazistas, cujos fantasmas ainda assombram o lugar. Ao contrário da maioria dos filmes de casa assombrada, os espíritos aqui não estão a fim de matar ou torturar as vítimas, mas sim incluí-las nos seus jogos sexuais.

Originalmente rodado em 1988, Fantasmas de Sodoma é o último suspiro do último suspiro do nazi-exploitation, juntando elementos de A Catedral, Garotas da SS, Terror nas Trevas e de O Anjo Exterminador de Luis Buñuel.

O maior mérito de Fantasmas de Sodoma é ter sido incluído em Um Gato no Cérebro, obra seminal de Lucio Fulci lançada em 1991 - antes da primeira exibição de Fantasmas de Sodoma. Última obra-prima de Fulci, Um Gato no Cérebro traz o próprio diretor como protagonista: um cineasta de horror que tem dificuldade de separar os seus filmes da realidade. Cenas de diversos filmes anteriores de Fulci foram incluídas nessa obra, inclusive cenas dos nazistas jogando bilhar e conduzindo a sua última orgia.

No elenco de Fantasmas de Sodoma, há de se destacar as participações especiais e não creditadas de Al Cliver e Zora Kerova, ambos veteranos da filmografia de Fulci. Cliver esteve em Zombi e Terror nas Trevas, e aqui interpreta um nazista embriagado. Símbolo sexual do cinema exploitation italiano, Zora Kerova interpreta um súcubo (vampiro sexual) que tenta seduzir um dos protagonistas. Ela trabalhou com Fulci em um dos seus melhores filmes, O Estripador de Nova York, e esteve em filmes importantes como Cannibal Ferox e O Antropófago.

Como curiosidade, o líder dos nazistas foi interpretado por Robert Egon, que em 1990 interpretou um nazi mais famoso. Egon interpretou a versão jovem do personagem Caveira Vermelha no filme Capitão América, desastrosa tentativa de trazer o personagem da Marvel para as telas. A diferença é que o estúdio Cannon, responsável por Capitão América, resolveu transformar o Caveira em italiano, ao invés de alemão. A versão mais velha do personagem foi interpretada por Scott Paulin.

Saturday, March 30, 2024

Holocaust 2: The Memories, Delirium and the Vendetta, Part Two


Um dos filmes mais incompreensíveis do cinema italiano de gênero (o que não é dizer pouco) Holocaust 2: The Memories, Delirium and the Vendetta, Part Two mistura nazi-exploitation, espionagem, experimentos genéticos, erotismo e toques de misticismo. A ideia de uma organização judia dedicada a capturar e matar criminosos de guerra é interessante, e poderia se adequar bem ao gênero. Mas o resultado final não apela a nenhum público, exploitation ou não. O leitor talvez tenha reparado no fato de que o título do filme informa duas vezes de que se trata de uma “parte 2”. Isso foi deliberado. Feito em 1980, quando o nazi-exploitation já havia deixado de ser um filão lucrativo, Holocaust 2 procura uma associação com a célebre minissérie televisiva Holocausto, estrelando Meryl Streep e Michael Moriarty, que fez grande sucesso em 1978. A propaganda é enganosa, pois, à parte um flashback, o filme se passa anos depois do fim da guerra. Os elementos nazi-exploitation estão presentes em doses homeopáticas, em cenas enxertadas sem muito critério. O filme ainda desperdiça a atriz Tina Aumont, que aparece rapidamente no tal flashback num campo de concentração. Talvez ciente de que Aumont era a melhor atriz do filme, o diretor Angelo Pannacicò repete essa cena inúmeras vezes durante a trama. Holocaust 2 caminha a passos de tartaruga depois de um início promissor, onde os agentes judeus encurralam um comandante nazista (William Berger) em sua casa e o matam junto com sua filha. O plano seguinte dos agentes é matar Lorenzo (Andrés Resino) o filho de um recluso criminoso de guerra nazista, na esperança de atrair o seu pai para uma emboscada. Parece simples o suficiente, mas a história começa a ficar confusa conforme o plano se desenvolve. A serviço dos agentes judeus está Dorothea (Kai Fisher), filha da personagem de Aumont, que foi vítima de experimentos nas mãos dos médicos nazistas, o que lhe conferiu poderes mentais especiais. Ela planeja hipnotizar a jovem andarilha Lucilla (Suzana Levi) para seduzir e matar Lorenzo no seu lugar. O mais estranho é a imensa semelhança física entre Lucilla e Dorothea, o que nos leva a questionar por que a hipnotizadora escolheria uma sósia para substituí-la no crime. Paralelamente, Holocaust 2 segue Felix Oppenheimer (o ex-fisiculturista Gordon Mitchell, que fez um comandante nazista em Achtung! Desert Tigers) um agente com a missão de facilitar o trabalho de Lucilla. Mitchell é uma presença estranha no filme, escondendo-se num disfarce de vendedor ambulante sem fazer muita coisa de útil pela maior parte da trama. Mesmo sendo um ator de presença imponente e com um currículo impressionante em filmes de sandália e espada, Mitchell poderia muito bem ser cortado de Holocaust 2 sem prejudicar nada além da (já curta) metragem do filme.


Essa incoerência tem explicação. A trama envolvendo Dorothea e Lucilla foi originalmente filmada em 1972 para o filme Subliminal, Una Splendida Giornata per Morire, que contava basicamente a história da garota com poderes mentais decidida a cometer um crime utilizando o corpo de outra. O filme permaneceu incompleto por anos, até que, com o revival do tema devido à citada minissérie, o diretor Pannacciò resolveu filmar novas cenas e redublar o filme, na esperança de ter de volta o dinheiro investido.

Isso explica por que as duas tramas principais (a caçada a criminosos nazistas e a relação de Dorothea com Lucilla) jamais se cruzam, e parecem fazer partes de filmes diferentes. Até os créditos iniciais soam completamente deslocados, com uso de fotografias da guerra aparecendo ao lado dos nomes do elenco e equipe. No mínimo desonesto para um filme que se passa quase todo numa ensolarada cidade à beira mar, com fartas tomadas de praias e mercadores de peixe.

Uma cena em particular, em que o médico nazista é capturado enquanto visitava o túmulo de seu filho, é risível. O diálogo entre o refém e seus algozes acontece todo em voice over, enquanto a câmera acompanha um carro pelas estradas da cidade. A cena seguinte, que poderia ser o ápice do filme, apenas deixa o espectador mais confuso. O médico é amarrado a uma maca, onde um bode lambe as solas de seus pés, fazendo cócegas até que ele morra de rir. Impossível compreender o que passou pela cabeça do diretor e roteirista Pannacciò para conceber essa cena, que nunca mais é referenciada pelos personagens.


A missão continua, pois aparentemente há mais criminosos de guerra se escondendo naquela mesma cidade. Depois de matar um casal de nazistas com uma furadeira, Lucilla retorna para a casa de Dorothea, onde, após consumar o amor de uma pela outra, elas se matam. Por que fizeram isso? Por que Dorothea precisava de Lucilla para cometer os crimes? Quem era Lucilla, e o que estava fazendo naquela cidade? Qual a ligação das duas com a organização de caçadores de nazistas? Seria Lucilla uma sobrevivente do Holocausto, como Dorothea? E qual o papel de Felix em tudo isso? A conclusão de Holocaust 2 deixa mais perguntas do que respostas, e mesmo com toda a boa vontade do mundo, é difícil não ficar frustrado quando os créditos finais começam a rolar.

Desnecessário dizer que Holocaust 2 não foi bem sucedido o suficiente para reviver o nazi-exploitation, que já estava morto desde o fim de 1978. Como qualquer gênero do cinema exploitation, ele teve seu momento de glória e caiu no esquecimento. Algumas dessas obras seriam lançadas em VHS, em cópias que se tornaram cada vez mais raras. Foi só depois do fenômeno do DVD que ele pôde ser redescoberto, especialmente em cópias piratas convertidas desses mesmos VHS. Hoje, quase todos os filmes do gênero estão disponíveis para download pirata ou mesmo no YouTube, em cópias sem corte.

Holocaust 2 foi o último respiro do nazi-exploitation em sua forma tradicional. Mas não representa o final da nossa jornada. O gênero teve uma ligeira sobrevida em 1988 Fantasmas de Sodoma de Lucio Fulci e, mais recentemente, com homenagens de cineastas como Rob Zombie e Keith J. Crocker. É o que examinaremos nos capítulos seguintes.

Friday, March 22, 2024

Shock Waves (1977) e Zombie Lake (1981)



 Embora não seja um nazi-exploitation tradicional, Shock Waves merece destaque neste livro por ter sido o precursor do curioso subgênero dos zumbis nazistas. Essa produção britânica foi rodada em 1975, e lançada em 1977, ou seja, um ano antes de Despertar dos Mortos de George Romero. Portanto, Shock Waves se safa da maioria dos clichês dos filmes de zumbi, usadas em dezenas de cópias europeias do filme de Romero que sairiam nos anos seguintes.

A trama de Shock Waves se passa durante um cruzeiro em alto-mar, num navio comandado pelo personagem de John Carradine. Depois de cruzarem com um enorme navio fantasma, os passageiros e a tripulação são forçados a se isolarem em uma ilha nas vizinhanças, onde encontram um hotel abandonado. Neste hotel, vive um ex-comandante da SS, interpretado por Peter Cushing, que coordenou no passado um experimento para criar um batalhão de soldados imortais, capazes de respirar debaixo d’água.

O resultado desse experimento são os bizarros zumbis aquáticos que rondam a ilha. Estes não são comedores de carne humana, nem se proliferam como ocorre em quase todos os filmes do gênero. São soldados putrefatos cujo único instinto é afogar suas vítimas, agindo com precisão militar. Usam uniformes da SS e caminham calmamente pelo fundo do mar, esperando as suas próximas vítimas. A única forma de matá-los é removendo as viseiras de lentes escuras que protegem seu rosto da luz do sol, o que é mais fácil de dizer do que de fazer.

O maior defeito de Shock Waves está nas interpretações fracas da maior parte do seu elenco. Salvam-se apenas os dois nomes mais famosos, Carradine e Cushing, lendas absolutas do horror que têm participações curtas mas essenciais. Cushing, em particular, está fascinante como o comandante arrependido, que viveu décadas isolado na ilha, tentando proteger o mundo dos zumbis que ele mesmo criou. Carradine também está ótimo como o rabugento capitão do navio cruzeiro, e é uma pena que os dois gigantes não tenham nenhuma cena juntos.

Ainda sobre o elenco, todos os zumbis do filme foram interpretados por um grupo de apenas oito atores, enquanto truques de edição fazem parecer que são uma horda muito maior. Um desses atores foi o jornalista Jay Maeder, que trabalhava na época como colunista do periódico Miami Herald People. Conhecido por sua irreverência, Maeder participou de Shock Waves com o objetivo de escrever sobre a experiência para a sua coluna, num artigo chamado I Was a Zombie, que foi publicado antes do lançamento do filme.

Por mais estranha que seja a ideia de zumbis nazistas, ela foi explorada em uma quantidade respeitável de produções nos anos seguintes. O gênero já existia em estágio embrionário desde Revenge of the Zombies, de 1943, filme de propaganda feito pelo governo britânico onde um cientista alemão tenta criar um exército de mortos-vivos. Vale também o filme de 1966, The Frozen Dead, sobre um cientista louco que mantém as cabeças congeladas de oficiais nazistas esperando reiniciar o Terceiro Reich. Esses dois filmes foram feitos antes de A Noite dos Mortos Vivos (1968) filme que mudou para sempre a imagem dos zumbis no cinema de horror.

Em 1981, Jean Rollin lançou Zombie Lake, uma produção francesa da Eurociné. O filme é uma das piores produções já feitas, tanto no nazi-exploitation quanto no gênero zumbi, cheia de erros de continuidade, lógica, edição e cronologia. Cineasta de respeito, Rollin passou o resto da vida tentando esconder que foi o diretor de Zombie Lake, com medo de manchar a sua reputação.

A trama de Zombie Lake trata de um batalhão nazista massacrado à beira de um lago que retorna anos depois para aterrorizar uma pequena vila. A maquiagem dos zumbis se limita a tinta verde aplicada sobre o rosto dos atores (mãos e pescoços não incluídos), e o seu alvo preferido são mulheres nuas nadando ou tomando sol à beira do lago. O mais surreal é o oficial zumbi que tenta reatar os laços com sua filha pequena, apesar do seu estado avançado de putrefação.



Zombie Lake passa longe da qualidade da maior parte da filmografia de Rollin, e se aproxima mais dos piores filmes do espanhol Jesus Franco, diretor originalmente escalado para o projeto. Ainda assim, Franco teve sua chance com zumbis nazistas, no igualmente abismal Oasis of the Zombies. Numa trama igualmente absurda, envolvendo a caça a um tesouro nazista no deserto da África, Oasis of the Zombies existe em duas versões, uma francesa e outra espanhola, com atores diferentes assumindo determinados papéis em cada uma delas.

O infame diretor exploitation Joel M. Reed deu sua contribuição ao tema com Night of the Zombies (1981). Diretor polêmico, famoso pelo longa de 1976 O Incrível Show de Torturas, Reed criou um filme lento com poucos zumbis, que não agradou a nenhum tipo de público. Foi seu último trabalho como diretor, embora continue trabalhando como ator até hoje. Curioso notar a presença de Jamie Gillis no papel principal. Gillis foi um ator pornô de sucesso, e ainda em 1981 teve seu papel mais lembrado no cinema mainstream, no longa Os Falcões da Noite.

Os zumbis nazistas ficaram esquecidos por um tempo, mas nos últimos anos foram revividos em dezenas de filmes de horror de baixo orçamento. O melhor de todos é a produção dinamarquesa Dead Snow (2009), que mostra um batalhão de mortos vivos atacando em montanhas cobertas de neve. A proposta do filme não é ser levado a sério, mas criar um festival gore que remete aos primeiros filmes de Sam Raimi e Peter Jackson. O diretor Tommy Wirkola foi importado para Hollywood onde dirigiu o fraco João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013) e no ano seguinte voltou para a Dinamarca para dirigir Dead Snow 2 (2014).



Atualmente, um grande mercado para os zumbis nazistas são os filmes direto para o vídeo, em filmes como Zombienation (Hail to the Führer) (2009), Blubberella (2011) e A Chance in Hell (2011). O longa Operação Overlord (2018) foi o mais mainstream que esse subgênero conseguiu chegar, sendo exibido em grandes cinemas e com efeitos especiais de alto nível. Ainda que os monstros mostrados em Operação Overlord não sejam exatamente zumbis tradicionais, o longa merece menção, especialmente por conseguir equilibrar os gêneros de guerra e horror. 

Friday, March 15, 2024

Nathalie: Escape From Hell (1977) e East of Berlin (1977)


 O curto ciclo nazi-exploitation da Eurociné termina em 1978, com dois filmes bem abaixo da média: Nathalie: Escape From Hell (Alain Payet) e East of Berlin (Pierre Chevalier e Jesus Franco). Dois filmes bastante diferentes em teor e tema, ambos são feitos por diretores experientes no cinema exploitation. Payet já havia dirigido Hitler’s Last Train, e continuaria uma longa e prolífica carreira no cinema de baixo escalão, nunca parando de dirigir até sua morte em 2007.

Já Jesus Franco é uma lenda no cinema exploitation, tendo dirigido centenas de filmes de qualidades extremamente variadas. No seu currículo encontra-se obras-primas como O Terrível Dr. Orloff (1962) e Eugenie (1970) ao lado de tranqueiras inacreditáveis como Dracula Vs. Frankenstein (1972) e diversos filmes WIP, pornôs explícitos e obras de gosto discutível. Difícil dizer o quanto de East of Berlin foi dirigido por ele, já que assina o filme ao lado do também experiente Pierre Chevalier.

Patrizia Gori vive a personagem título de Nathalie, uma médica que cuida sozinha dos enfermos de uma vila tomada pelos nazistas, viajando de casa em casa em sua bicicleta para prestar cuidados médicos. Enquanto dá assistência a um idoso, Nathalie é surpreendida por um batalhão nazista que chega com um oficial mortalmente ferido pela resistência. Incapaz de salvar a vida do oficial, ele é tomada como prisioneira e enviada para um campo.



O destino final de Nathalie é o castelo de Stillberg, anteriormente usado pela Eurociné em Helga, She Wolf the Stillberg, também dirigido por Payet. De fato, Nathalie é quase uma refilmagem desse filme, trocando as referências indiretas ao nazismo por outras mais literais. A vilão de Nathalie também é uma dominatrix chamada Helga, interpretada por Jacqueline Laurent, que desenvolve uma obsessão doentia por Nathalie.

Enquanto o filme se ocupa da tradicional trama de dominação entre nazistas e prisioneiros, há ainda uma sub-trama de espionagem. Esta é apresentada numa cena cômica onde oficiais aliados preparam um café com uísque e debatem a necessidade de se resgatar uma prisioneira em Stillberg que sabe de planos cruciais para derrubar os nazistas. Um destes oficiais consegue se infiltrar como membro da Cruz Vermelha e incumbe Nathalie de cumprir a missão.

Nathalie é um nazi-exploitation padrão, que grita bingo na lista de chavões do filão. A heroína de Patrizia Gori tem bastante agência dentro da trama, e o fato de ser médica lhe dá bastante coisa para fazer na trama. Jacqueline Laurent dá tudo de si no papel da cruel Helga, criando uma ótima vilã, injustamente esquecida entre as Elsas e Ilsas do gênero. O filme sobrevive em uma cópia razoável que valoriza a bela fotografia, especialmente nos cenários dentro do castelo de Stillberg.

Difícil é encontrar qualidades para se enaltecer em East of Berlin. Considerando que naquele mesmo ano Jesus Franco dirigiu Women in Cellblock 9, um dos mais extremos WIPs da história do cinema, é estranho notar o quanto ele está contido em East of Berlin. Pode-se até dizer que Franco está completamente desinteressado no filme, embora não se possa dizer o quanto foi dirigido por ele e por Chevalier. Com longos takes estáticos de diálogos monótonos, personagens sem propósito e uso abundante de imagens de arquivo é quase como se East of Berlin tivesse se dirigido sozinho.



A protagonista aqui é Renata (Brigitte Parmentier) uma jovem alemã que aceita se prostituir em um bordel nazista para proteger a vida do pai, preso por esconder uma jovem judia em sua casa. Seu caminho se cruza com o do capitão Erich von Strasser (Jean-Marie Lemaire) seu amigo de antes da guerra, que tenta ajudá-la a fugir daquela vida. Mas logo Renata é selecionada para servir num trem-bordel no front, ao passo que Erich é enviado para lutar na Rússia. Por mais improvável que seja, eles se encontram de novo e decidem fugir da guerra, largando a ideologia nazista para trás.

East of Berlin é um filme absurdamente barato, que faz uso de imagens de arquivo não apenas de documentários da guerra, mas também dos filmes da Eurociné. A batalha inicial, com soldados atacando um forte no deserto, vem de um filme de 1971 chamado Heroes Without Glory. A seleção das garotas a serem enviadas para o trem-bordel é feita por Malisa Longo, em cenas retiradas diretamente de Fraulein Kitty. Quando o trem é atacado pela resistência francesa, são as mesmas tomadas feitas em Nathalie. Imagens do trem percorrendo os trilhos são as mesmas de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train. Cenas reais de pelotões alemães marchando com uma tomada de Elsa executando um oficial desertor, juntando realidade e ficção de maneira canhestra. Franco chega ao ponto de usar a trilha sonora de fundo de uma cena de festa de Hitler’s Last Train para economizar gravar um áudio novo para um momento similar em seu filme.

Franco voltaria brevemente ao tema do nazi-exploitation com seu WIP Jailhouse Wardress, que também faz uso de cenas de Hitler’s Last Train e Fraulein Kitty, embora a conexão aqui seja mais frouxa. O filme, também lançado pela Eurociné, trata de uma oficial nazista que foge para a América do Sul depois do fim da guerra, e se torna a diretora de uma prisão feminina.

E assim termina a breve aventura da Eurociné no nazi-exploitation tradicional. A produtora, que fechou em 1989, não conseguiu trazer nada de muito memorável no gênero, embora tenha dado uma contribuição importante para o gênero de zumbis nazistas, conforme veremos no próximo capítulo. O nazi-exploitation, já moribundo começava a dar os seus últimos suspiros. O interesse do público por tramas de violência e sexo nunca diminuiu, mas essas tramas não mais aconteciam em campos do amor e bordéis decorados com suásticas. Para sobreviver, o nazi-exploitation precisava se adaptar e reinventar, algo que nunca chegou a fazer de maneira relevante. Os produtores de cinema barato estavam sempre interessados em dar ao público o que ele queria. E, após a explosão do filão 1977, o público parece ter se cansado dele.


Friday, March 8, 2024

Hitler’s Last Train (1977) e Fraulein Kitty (1977)





 Embora o grosso da filmografia nazi-exploitation tradicional tenha sido produzido na Itália, os franceses também deram uma importante colaboração ao filão. O estúdio Eurociné, especializado em filmes exploitation, produziu uma quantidade razoável de filmes eróticos de guerra e de zumbis nazistas. Dentre estes, destacam-se Hitler’s Last Train (1977) e Fraulein Kitty (1977), duas produções que desenvolveram o já batido tema do bordel nazista, transferindo a ambientação para trens que levavam as prostitutas para atender seus clientes no front de batalha e, ao mesmo tempo, espionar os oficiais que planejam trair o Terceiro Reich.

O dono da Eurociné, Marius Lesoeur, era ele mesmo um veterano da Segunda Guerra Mundial. Lesoeur fundou a produtora em 1957, onde produziu diversas comédias e faroestes até ser convencido pelo cineasta espanhol Jesus Franco a investir no cinema de horror com O Terrível Dr. Orloff. O produtor logo se especializou em cinema exploitation, com filmes baratos e apelativos que reaproveitavam cenas e recursos uns dos outros. Esse estilo rendeu uma filmografia longa e lucrativa, que durou até o fim da produtora em 1991.

Ambos os filmes possuem basicamente a mesma trama, tirada diretamente de Salon Kitty, mas dessa vez sobre linhas ferroviárias. A diferença está na execução. Hitler’s Last Train foi dirigido por Alain Payet (assinando como James Gartner), cineasta medíocre acostumado a lançar diversos filmes por ano, até sua morte em 2007. O filme tem um ritmo irregular e direção insossa, além de um elenco pouco inspirado. A única personagem marcante é a protagonista Ingrid Schüller (Monica Swinn), oficial libertina da SS que controla o trem-bordel.



A cópia disponível de Hitler’s Last Train possui péssima qualidade de imagem, mas uma restauração faria pouca diferença, já que o filme é quase todo rodado em cenários pobres e externas poucas inspiradas. As cenas dentro do trem são filmadas de maneira que nunca convence o espectador de que aquele cenário está em movimento, o que mina o propósito da trama. Se há algo pelo qual Hitler’s Last Train merece ser relembrado é a conclusão da trama, que oferece uma divertida ironia para a personagem principal.

Indo na contramão da maioria dos nazi-exploitations, Hitler’s Last Train possui uma estranha aura pró-nazista. Uma cena em especial mostra um grupo de soldados da resistência invadindo o trem e humilhando as garotas alemãs, inclusive forçando uma delas a urinar em uma foto de Hitler. Poderia se dizer que o roteiro quer mostrar que na guerra nenhum dos lados está livre da imoralidade. Se isso foi intencional ou não, fica aberto para debate.

Fraulein Kitty foi dirigido por Patrice Rhomm (assinando como Mike Staar), que, embora longe de ser um Tinto Brass, consegue dar um ritmo melhor ao filme. Os maiores trunfos de Rhomm são a fotografia exuberante (ajuda o fato de o filme existir numa excelente cópia restaurada) e o uso inteligente de imagens de arquivo. Enquanto a maioria dos cineastas nazi-exploitation usam este recurso apenas como uma transição barata entre cenas, Rhomm consegue combinar as filmagens de guerra com a trama e trilha sonora do filme, através de uma montagem cuidadosa.

Fraulein Kitty faz uso muito melhor não apenas do cenário do trem, mas com as possibilidades dramáticas que ele oferece. Em uma cena marcante, Elsa descobre um jovem soldado a bordo, que saltou do trem que o levava para o front direto para o bordel sobre trilhos. Ela o seduz e tira sua virgindade, antes de executá-lo com um tiro na cabeça. Um momento que não faria sentido em uma ambientação diferente. O mais perto que Hitler’s Last Train chega disso é quando Ingrid encurrala um grupo de generais acusados de tentar assassinar o Führer a bordo do seu trem para uma orgia, o que não faz muito sentido.

Ajuda também o fato de Fraulein Kitty ter Malisa Longo no papel da comandante Elsa. Atriz habitual do cinema exploitation e de horror na época, Malisa é mais lembrada pelo papel da prostituta italiana que tenta seduzir Bruce Lee em O Voo do Dragão (1973). Hoje ela é escritora e jornalista, tendo abandonado o mundo do cinema nos anos noventa, e afirma ter um grande carinho pelos seus filmes nazi-exploitation, tendo atuado neles em francês com som direto. Malisa é a alma de Fraulein Kitty, e sua Elsa é uma das melhores variações da Ilsa de Dyanne Thorne, com uma forte carga sadomasoquista e olhar cheio de crueldade.

O filme traz também Olivier Mathot no papel do arrependido major Holbach, que se junta à resistência para pôr um fim na guerra. Holbach é um dos personagens mais complexos do nazi-exploitation, um homem amargurado e submisso sexualmente à dominadora Elsa. É através do romance que ele desenvolve com uma das prostitutas do trem, Liselotte (Patrizia Gori, que faria o personagem principal em Nathalie - Rescued from Hell) que ele toma coragem para fazer o que deve ser feito.

O conceito de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train, foi criado por um tal Victor Hadria, que não possui nenhum outro crédito no cinema. A ideia foi desenvolvida por dois times de roteiristas diferentes, Jack Guy, Eduardo Manzanos e José Luis Navarro para Hitler’s Last Train; e Patrice Rohmm e Marius Lesoeur para Fraulein Kitty. Os dois filmes foram lançados nos cinemas com oito meses de diferença, e a impressão é que Rohmm e Lesoeur assistiram ao filme de Hitler’s Last Train e fizeram diversas anotações sobre como melhorar a trama.



Além de possuir personagens melhores e um desenvolvimento mais dinâmico, Fraulein Kitty é um filme visualmente deslumbrante, que faz uso de belas locações de vilarejos no Alto Reno francês. Infelizmente, as cenas de tiroteios são risíveis pela falta de buracos de balas (algo infelizmente comum no nazi-exploitation) e pelo fato de que a maioria dos atores não sabem para que lado cair quando levam um tiro.

Tendo sido feitos ao mesmo tempo e pelos mesmos produtores, uma sessão dupla de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train é uma experiência interessante. Além de compartilhar diversos atores e equipamentos, ambos os filmes usam as mesmas tomadas do trem nazista em movimento. Mais curioso ainda é o reaproveitamento dos figurinos, especialmente quando o mesmo suéter com estampas de losango é usado nos dois filmes, por atores diferentes.

Rhomm, que demonstrou grande talento para o gênero, não voltaria mais a ele, tendo dirigido apenas mais quatro comédias eróticas de menor projeção antes de se aposentar. O que é uma pena, pois sua visão para o nazi-exploitation mostrava potencial, e poderia ter gerado mais algumas pérolas caso tivesse insistido no gênero. Payet faria mais dois nazi-exploitations para a Eurociné no ano seguinte, inclusive dirigindo Malisa Longo em Helga, She Wolf of Stilberg. Este é um filme estranho, que se coloca na fronteira entre o nazi-exploitation e os filmes de mulheres na prisão.

O governo repressor de Helga é uma mistura do regime nazista com uma ditadura de república de bananas, e seus membros usam uma insígnia que parece uma variante da suástica. Fora isso, o filme tem todos os elementos de um nazi-exploitation. Uma variante dessa ideia foi apresentada pelo cineasta mineiro Tony Vieira no longa nacional O Último Cão de Guerra. Lançado no ano seguinte a Helga, o filme brasileiro também apresenta um regime alternativo, chamado apenas de A Causa, cujos seguidores em pouco diferem dos crueis comandantes do nazi-exploitation tradicional.