Friday, March 8, 2024

Hitler’s Last Train (1977) e Fraulein Kitty (1977)





 Embora o grosso da filmografia nazi-exploitation tradicional tenha sido produzido na Itália, os franceses também deram uma importante colaboração ao filão. O estúdio Eurociné, especializado em filmes exploitation, produziu uma quantidade razoável de filmes eróticos de guerra e de zumbis nazistas. Dentre estes, destacam-se Hitler’s Last Train (1977) e Fraulein Kitty (1977), duas produções que desenvolveram o já batido tema do bordel nazista, transferindo a ambientação para trens que levavam as prostitutas para atender seus clientes no front de batalha e, ao mesmo tempo, espionar os oficiais que planejam trair o Terceiro Reich.

O dono da Eurociné, Marius Lesoeur, era ele mesmo um veterano da Segunda Guerra Mundial. Lesoeur fundou a produtora em 1957, onde produziu diversas comédias e faroestes até ser convencido pelo cineasta espanhol Jesus Franco a investir no cinema de horror com O Terrível Dr. Orloff. O produtor logo se especializou em cinema exploitation, com filmes baratos e apelativos que reaproveitavam cenas e recursos uns dos outros. Esse estilo rendeu uma filmografia longa e lucrativa, que durou até o fim da produtora em 1991.

Ambos os filmes possuem basicamente a mesma trama, tirada diretamente de Salon Kitty, mas dessa vez sobre linhas ferroviárias. A diferença está na execução. Hitler’s Last Train foi dirigido por Alain Payet (assinando como James Gartner), cineasta medíocre acostumado a lançar diversos filmes por ano, até sua morte em 2007. O filme tem um ritmo irregular e direção insossa, além de um elenco pouco inspirado. A única personagem marcante é a protagonista Ingrid Schüller (Monica Swinn), oficial libertina da SS que controla o trem-bordel.



A cópia disponível de Hitler’s Last Train possui péssima qualidade de imagem, mas uma restauração faria pouca diferença, já que o filme é quase todo rodado em cenários pobres e externas poucas inspiradas. As cenas dentro do trem são filmadas de maneira que nunca convence o espectador de que aquele cenário está em movimento, o que mina o propósito da trama. Se há algo pelo qual Hitler’s Last Train merece ser relembrado é a conclusão da trama, que oferece uma divertida ironia para a personagem principal.

Indo na contramão da maioria dos nazi-exploitations, Hitler’s Last Train possui uma estranha aura pró-nazista. Uma cena em especial mostra um grupo de soldados da resistência invadindo o trem e humilhando as garotas alemãs, inclusive forçando uma delas a urinar em uma foto de Hitler. Poderia se dizer que o roteiro quer mostrar que na guerra nenhum dos lados está livre da imoralidade. Se isso foi intencional ou não, fica aberto para debate.

Fraulein Kitty foi dirigido por Patrice Rhomm (assinando como Mike Staar), que, embora longe de ser um Tinto Brass, consegue dar um ritmo melhor ao filme. Os maiores trunfos de Rhomm são a fotografia exuberante (ajuda o fato de o filme existir numa excelente cópia restaurada) e o uso inteligente de imagens de arquivo. Enquanto a maioria dos cineastas nazi-exploitation usam este recurso apenas como uma transição barata entre cenas, Rhomm consegue combinar as filmagens de guerra com a trama e trilha sonora do filme, através de uma montagem cuidadosa.

Fraulein Kitty faz uso muito melhor não apenas do cenário do trem, mas com as possibilidades dramáticas que ele oferece. Em uma cena marcante, Elsa descobre um jovem soldado a bordo, que saltou do trem que o levava para o front direto para o bordel sobre trilhos. Ela o seduz e tira sua virgindade, antes de executá-lo com um tiro na cabeça. Um momento que não faria sentido em uma ambientação diferente. O mais perto que Hitler’s Last Train chega disso é quando Ingrid encurrala um grupo de generais acusados de tentar assassinar o Führer a bordo do seu trem para uma orgia, o que não faz muito sentido.

Ajuda também o fato de Fraulein Kitty ter Malisa Longo no papel da comandante Elsa. Atriz habitual do cinema exploitation e de horror na época, Malisa é mais lembrada pelo papel da prostituta italiana que tenta seduzir Bruce Lee em O Voo do Dragão (1973). Hoje ela é escritora e jornalista, tendo abandonado o mundo do cinema nos anos noventa, e afirma ter um grande carinho pelos seus filmes nazi-exploitation, tendo atuado neles em francês com som direto. Malisa é a alma de Fraulein Kitty, e sua Elsa é uma das melhores variações da Ilsa de Dyanne Thorne, com uma forte carga sadomasoquista e olhar cheio de crueldade.

O filme traz também Olivier Mathot no papel do arrependido major Holbach, que se junta à resistência para pôr um fim na guerra. Holbach é um dos personagens mais complexos do nazi-exploitation, um homem amargurado e submisso sexualmente à dominadora Elsa. É através do romance que ele desenvolve com uma das prostitutas do trem, Liselotte (Patrizia Gori, que faria o personagem principal em Nathalie - Rescued from Hell) que ele toma coragem para fazer o que deve ser feito.

O conceito de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train, foi criado por um tal Victor Hadria, que não possui nenhum outro crédito no cinema. A ideia foi desenvolvida por dois times de roteiristas diferentes, Jack Guy, Eduardo Manzanos e José Luis Navarro para Hitler’s Last Train; e Patrice Rohmm e Marius Lesoeur para Fraulein Kitty. Os dois filmes foram lançados nos cinemas com oito meses de diferença, e a impressão é que Rohmm e Lesoeur assistiram ao filme de Hitler’s Last Train e fizeram diversas anotações sobre como melhorar a trama.



Além de possuir personagens melhores e um desenvolvimento mais dinâmico, Fraulein Kitty é um filme visualmente deslumbrante, que faz uso de belas locações de vilarejos no Alto Reno francês. Infelizmente, as cenas de tiroteios são risíveis pela falta de buracos de balas (algo infelizmente comum no nazi-exploitation) e pelo fato de que a maioria dos atores não sabem para que lado cair quando levam um tiro.

Tendo sido feitos ao mesmo tempo e pelos mesmos produtores, uma sessão dupla de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train é uma experiência interessante. Além de compartilhar diversos atores e equipamentos, ambos os filmes usam as mesmas tomadas do trem nazista em movimento. Mais curioso ainda é o reaproveitamento dos figurinos, especialmente quando o mesmo suéter com estampas de losango é usado nos dois filmes, por atores diferentes.

Rhomm, que demonstrou grande talento para o gênero, não voltaria mais a ele, tendo dirigido apenas mais quatro comédias eróticas de menor projeção antes de se aposentar. O que é uma pena, pois sua visão para o nazi-exploitation mostrava potencial, e poderia ter gerado mais algumas pérolas caso tivesse insistido no gênero. Payet faria mais dois nazi-exploitations para a Eurociné no ano seguinte, inclusive dirigindo Malisa Longo em Helga, She Wolf of Stilberg. Este é um filme estranho, que se coloca na fronteira entre o nazi-exploitation e os filmes de mulheres na prisão.

O governo repressor de Helga é uma mistura do regime nazista com uma ditadura de república de bananas, e seus membros usam uma insígnia que parece uma variante da suástica. Fora isso, o filme tem todos os elementos de um nazi-exploitation. Uma variante dessa ideia foi apresentada pelo cineasta mineiro Tony Vieira no longa nacional O Último Cão de Guerra. Lançado no ano seguinte a Helga, o filme brasileiro também apresenta um regime alternativo, chamado apenas de A Causa, cujos seguidores em pouco diferem dos crueis comandantes do nazi-exploitation tradicional.


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