Friday, February 23, 2024

Nazi Love Camp 27 (1977)


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 Visto isoladamente, Nazi Love Camp 27 é um nazi-exploitation acima da média, com uma trama cheia de reviravoltas e uma protagonista forte e diversas cenas chocantes e apelativas. Mas ao se analisar o filme de Mario Caiano dentro da filmografia do gênero, é possível perceber a sua importância. Na sua curta metragem, Nazi Love Camp 27 passeia por praticamente todos os subgêneros dentro do filão, apresentando um panorama de tudo o que já havia sido feito dentro dele até então. Dessa maneira, o filme serve como o supra-sumo do nazi-exploitation, sem deixar de ser uma obra coesa e bem amarrada.

O responsável por essa coesão é o roteirista Giafranco Clerici, experiente artesão do cinema exploitation responsável por obras como O Segredo do Bosque dos Sonhos (1971), O Anticristo (1974), Holocausto Canibal 1980 e O Estripador de Nova York (1981). Clerici entendia o cinema exploitation como poucos, e é de se imaginar que tenha comparecido a diversas sessões de filmes nazi-exploitation antes de criar a história de Nazi Love Camp 27 ao lado de Sandro Amari.

Já Mario Caiano, que também possui crédito no script final, acabou na cadeira do diretor por pura necessidade financeira. Caiano, que assinou a direção como William Hawkins, havia dirigido diversos western spaghetti e filmes exploitation, e tentou fazer o melhor possível com um projeto no qual não acreditava. Ainda assim, sua direção é competente, ainda que convencional. Não há momentos de insanidade visual como os criados por Cesare Canevari, mas passa longe da mediocridade de um Lee Frost em Love Camp 7.

A força motriz de Nazi Love Camp 27 é a atriz finlandesa Sirpa Lane, intérprete da protagonista Hannah Meyer/Lola Karr. Lane havia começado sua carreira como modelo de nudez, e foi descoberta pelo cineasta francês Roger Vadim, que queria transformá-la na nova Brigitte  Bardot. Lane ficou célebre por seu papel no bizarro La Bête, mas sua carreira promissora nunca alçou voos altos. Ela fez vários exploitations menores, e seu último filme foi Giochi Carnali, de Andrea Bianchi. Sirpa sumiu dos holofotes até sua morte por AIDS em 1999, sem jamais ter concretizado o seu imenso potencial.

A primeira cena de Nazi Love Camp 27 se passa pouco antes do horror nazista, quando a jovem judia Hannah passeia de bicicleta pelo campo com seu namorado Klaus Berger (Roberto Posse). Depois de nadarem num lago, os dois jovens perdem a virgindade juntos, num momento bucólico que é interrompido pela ascensão de Hitler. A montagem faz uso de imagens de arquivo para simbolizar a invasão a Paris, onde a garota é capturada ao tentar defender sua família contra os invasores.

Klaus se junta à SS, enquanto Hannah é mandada para um campo de concentração. Lá, ela é recrutada para um campo do amor, onde é violentada por meses até cair nas graças do Capitão Kurt von Stein (Giancarlo Sisti), um poderoso oficial com tendências fortemente masoquistas. Hannah e Stein desenvolvem uma relação doentia, que leva o capitão a forjar a morte da garota e criar-lhe a identidade falsa de Lola Karr. Hannah abraça a identidade de Lola e, junto com Stein, abre um bordel para satisfazer os prazeres dos generais nazistas, que jamais desconfiam de que ela é judia.

Paralelamente, acompanhamos a jornada de Klaus, que, após ser ferido em batalha, assume a tarefa de coordenar um projeto especial para o serviço secreto alemão. A ideia é gerar bebês de alta qualidade genética para serem criados pelo Estado, sem vínculos familiares, que possam um dia formar o alto escalão do governo. Mas Klaus abandona o projeto ao descobrir que sua irmã (Renata Moar, famosa por ter protagonizado a cena de coprofagia em Salò) é uma das voluntárias para gerar essas crianças.

No arco de Klaus e, principalmente, no de Hannah, podemos ver toda a jornada do nazi-exploitation se descortinando. Todos os elementos caros aos gêneros estão lá, desde os óbvios como campos do amor, bordéis e experimentos; até alguns mais sutis, como o oficial nazista arrependido e travestismo. Nazi Love Camp 27 não é o nazi-exploitation ideal para se apresentar a um não iniciado (SS Girls ainda é o melhor nesse quesito), mas é uma experiência fascinante para aqueles que já viram sua cota de filmes do gênero.

Nazi Love Camp 27 é, acima de tudo, um filme sobre sobrevivência, e os limites aos quais se pode ir para conquistá-la. Hannah, nas primeiras cenas, é uma garota forte e decidida, que não hesita em matar um soldado alemão que invade o seu apartamento. Depois de capturada, ela tenta com todas as forças se manter sã no meio do inferno de se prostituir aos soldados nazistas cansados do front. Depois de recusar os avanços da diretora do campo, ela é mandada para a execução, mas ganha as graças de Stein, que a leva para o seu próprio covil, onde ela o domina com um chicote. Daí em diante, Hannah se torna objeto de adoração do capitão, ganhando vestidos e joias e vivendo uma vida confortável. Seduzida por esse conforto, ela se confunde com seus algozes, e passa a fazer parte da mesma máquina de guerra que massacrou seu povo.

Num dos momento chave do filme, Hannah completa sua transformação ao acobertar o assassinato de uma prostituta do seu bordel nas mãos de um general. Ela agora não é melhor do que os soldados que mataram sua mãe e mandaram seu pai para um campo de concentração. Klaus, enquanto isso, tentou manter sua sanidade salvando a vida do maior número de inocentes possível no front, mesmo sabendo que é uma gota d’água no oceano.

Nazi Love Camp 27 uma obra completa, embora não sendo tão bem acabada como Gestapo’s Last Orgy ou Ilsa She Wolf of the SS. Não ajuda o fato de o filme estar disponível apenas em uma cópia horrível, transferida do VHS. Os detratores do nazi-exploitation, especialmente aqueles que o consideram um gênero maniqueísta, vão ter uma boa surpresa com Hannah Meyer. A garota inocente das primeiras cenas se transforma, através de meses de abuso psicológico e sexual, numa monstruosa dona de bordel, capaz de ocultar crimes sangrentos cometidos por seus clientes. Ainda assim, é impossível perder completamente a simpatia por ela, já que nós também fomos testemunhas das atrocidades pelas quais ela passou.

Enxertos de sexo explícito foram incluídos por pressão dos produtores, que se provam desnecessários numa trama que poderia, com poucas alterações, ser vendida como um drama de guerra não-exploitation. A maioria desses enxertos ocorrem durante as cenas de experimento, onde casais de nazistas copulam num laboratório para gerar a tal “criança perfeita”, ao som da música de Richard Wagner, compositor favorito de Adolf Hitler. Toda essa subtrama soa desnecessária, já que essas cenas foram filmadas e encaixadas no filme após a fotografia principal, para torná-lo mais apelativo. Ainda assim, elas dão sentido ao título original Svastica Nel Ventre, já que, gerando crianças para serem propriedade do Estado alemão, essas mulheres estão criando suásticas em seus úteros.

 


Friday, February 16, 2024

Gestapo's Last Orgy (1977)




 Se há uma obra que engloba todas as características que fazem do nazi-exploitation um gênero maldito, esta é Gestapo’s Last Orgy. Embora não seja tão icônico quanto Ilsa, She Wolf of the SS, nem tão completo quanto Nazi Love Camp 27, o filme de Cesare Canevari consegue utilizar os aspectos mais polêmicos do nazi-exploitation a seu favor. E o faz com um esmero surpreendente.

Embora não seja nenhuma superprodução, Gestapo’s Last Orgy possui belos cenários e figurinos, efeitos especiais decentes e uma excepcional trilha sonora, com destaque  para o tema da personagem principal. O roteiro de Canevari e Antonio Lucarella segue as convenções do gênero, e traz muitos dos estereótipos visto nos filmes anteriores (campo do amor, nazista arrependido, relação amorosa baseada na Síndrome de Estocolmo, depravação sexual, oficiala estilo Ilsa) e faz excelente uso de todos eles. Enquanto diversos outros exemplares do gênero soam repetitivos e fáceis de serem confundidos entre si, Gestapo’s Last Orgy é um filme com personalidade única.

Isso se deve em parte ao seu efeito de choque. Uma quantidade enorme de tabus sexuais e sociais é explorado no filme. Esse excesso por vezes soa gratuito, mas funciona bem na intenção de Canevari, que é apresentar o campo de concentração onde o filme se passa como um inferno absoluto. E a forma como os personagens interagem e evoluem dentro deste inferno é o que o torna interessante.

Os nazistas de Gestapo’s Last Orgy, auto-intitulados Übermenschen (não à toa o filme começa com uma citação de Nietzsche), tem como único interesse a satisfação dos suas perversões, sob o pretexto de estarem lutando pela “glória da Alemanha”. Dentro desse discurso, tudo é válido. Essa ideia é incorporada na figura Comandante Conrad von Starker (Adriano Micantoni, sob o pseudônimo de Marc Loud), que, revoltado por ter que administrar um campo do amor em vez de ir lutar no front, desconta sua frustração nas garotas que lhe são mandadas.

Eis que surge Lisa Cohen (Daniela Poggi, sob pseudônimo de Daniela Levy), garota judia que, sentindo-se culpada pela morte de sua família nas mãos dos nazistas, suporta todo o sofrimento do campo sem se lamentar. Isso provoca a ira de von Starker, que faz de Lisa seu projeto pessoal. Ele promete que irá torturar a garota até que ela crie medo da morte e, apenas então, dar cabo dela.



Essa promessa surge no momento mais emblemático do filme, onde, reunidos ao redor da mesa de jantar, os oficiais ouvem o discurso do cientista interpretado por Renato Paracchi. Ele defende a hipótese de usar os judeus como gado, mantidos em fazendas para serem abatidos e oferecidos como alimento ao povo alemão. Os presentes não apenas adoram a ideia como aceitam colocá-la em prática naquela mesma mesa, se deliciando com um guisado de carne humana e, em seguida, flambando viva uma das garotas presentes no jantar.

O que é importante nessa cena, narrativamente falando, não é apenas a repulsa que ela causa, mas a forma como apresenta os seus vilões. A teoria do cientista nunca é trazida novamente à baila, mas o comandante e seus asseclas a abraçam naquele momento, pelo puro prazer de quebrar mais um tabu. Isso é chave para entender como Canevari quer representá-los: crianças pervertidas no corpo de homens, dispostos a experimentar de tudo e tirando disso um prazer intenso e momentâneo.

Lisa Cohen é o oposto desse comportamento. Acreditando ter sido a culpada pelos nazistas terem encontrado o esconderijo de sua família, o que os levou à morte, Lisa parece não sentir nenhum tipo de dor nem temer pelo seu destino. Os horrores que causam náuseas ao espectador do filme nem sequer incomodam essa personagem, que os testemunha em primeira mão.



Isso incomoda também a capataz do campo, Alma (Maristella Greco), que tem uma relação sadomasoquista com o comandante von Starker. Alma coleciona objetos feitos de partes humanas, como luvas de pele de bebê, lingerie feita de cabelos e um abajur de pele humana, com uma tatuagem azul no meio. Mesmo ajudando von Starker em seu jogo sádico, ela logo percebe que seu reino está ameaçado quando seu superior se apaixona pra valer por Lisa, o que cria um estranho e doentio triângulo amoroso.

Esse tema é retirado direto de O Porteiro da Noite, o que fica óbvio desde a abertura do filme. Nela, von Starker dirige por longas estradas, enquanto se escuta vozes sem rosto descrevendo os horrores que ocorreram no campo sob seu comando. Depois de uma longa viagem, ele encontra Lisa e a agradece por ter testemunhado a seu favor no tribunal judeu, salvando-o da forca.

Esse encontro se dá cinco anos após o fim da guerra, e é por exigência de Lisa que os dois vão juntos visitar as ruínas abandonadas do que antes era o campo de concentração, por razões que só ficam claras no último ato do filme. É quando, ao fim da guerra, o fruto da relação entre os dois surge: um bebê de sangue judeu, que é enviado para execução logo após nascer. Von Starker tenta se manter fiel aos seus princípios distorcidos, professando clemência no ato de abater seu próprio filho.

Nesse sentido, Gestapo’s Last Orgy é o nazi-exploitation que explora o antissemitismo de maneira mais agressiva. Enquanto alguns filmes do gênero contornam a questão ou apenas a tocam de leve, Canevari não se faz de rogado na intenção de revoltar o espectador. Os dois momentos mais emblemáticos são na citada cena do jantar e na orgia que dá título ao filme, onde os soldados nazistas são expostos a doentias peças de propaganda antes de atacarem as garotas que servem como seu objeto de prazer.

Há ainda outro romance mais singelo entre a prisioneira Lea (Caterina Barbeiro) e um dos guardas do campo. Ele toma conta da garota, cuidando para que ela seja mandada para a enfermaria mesmo estando saudável, para escapar dos estupros diários. Uma história de amor mal explorada pelo roteiro, que termina de forma trágica por culpa da própria Lisa, a esse ponto completamente envolvida com von Starker.

No quesito dos títulos alternativos, Gestapo’s Last Orgy saiu em VHS no Brasil sob o título As Condenadas, numa cópia hoje raríssima. O título italiano original é L’Ultima Orgia del III Reich, bastante semelhante ao americano, mas também é conhecido como Caligula Reincarnated as Hitler. Essa bizarra alcunha foi bolada num relançamento de Gestapo’s Last Orgy, em uma tentativa de lucrar em cima do Calígula de Tinto Brass. Um título semelhante havia sido utilizado em Nerone e Poppea (1982), lançado internacionalmente como Caligula Reincarnated as Nero. Como não poderia deixar de ser, o filme de Canevari entrou para a lista dos Video Nasties, e não foi lançado na Inglaterra até hoje.

Gestapo’s Last Orgy oferece muitas leituras, e muitas delas vão além das ideias do próprio diretor. O próprio Canevari informou intenções em entrevista:

É principalmente um filme romântico, o amor entre uma ex-prisioneira judia e seu algoz, era isso que me interessava contar. Depois vinha o resto, as cenas de violências, as torturas, o sexo… tudo coisas que obviamente eu coloquei para seguir aquele filão específico. Não queríamos criar nenhuma outra leitura ao nazi-exploitation, queríamos criar um bom filme e no fim creio que conseguimos.

É irônico que, mesmo sem tentar muito, Canevari tenha criado um filme especial dentro do gênero. No fim das contas, Gestapo’s Last Orgy é um produto de 1977, o ano de apogeu do nazi-exploitation, e como tal é uma de suas obras mais bem acabadas. Não é um filme de guerra “sério”, mas ainda está num patamar acima de muitos dos seus primos de primeiro grau, e muito provavelmente é o melhor de todos eles.

Friday, February 9, 2024

Women’s Camp 119 (1977) e SS Girls (1977)

 Com o nazi-exploitation em seu período mais fértil, seria estranho se o cineasta italiano Bruno Mattei não resolvesse tirar sua casquinha. Considerado um dos cineastas mais oportunistas do cinema da época, Mattei estava em começo de sua carreira como diretor quando lançou Women’s Camp 119 e SS Girls, ambos no primeiro semestre de 1977. Desde então, ele construiu uma carreira baseada em seguir tendências de sucesso em diversos gêneros, como horror, faroeste e cinema erótico, tornando-se um dos nomes mais prolíficos da época.



Produzidos por companhias diferentes, estes dois filmes exploram vertentes distintas do nazi-exploitation. Women’s Camp 119 se passa num campo de experimentos, e não se furta a mostrar diversas crueldades praticadas pelos nazistas, ao mesmo tempo em que tenta passar uma mensagem anti-guerra. Nesse quesito, assemelha-se bastante aos filmes de Sergio Garrone. Já SS Girls é claramente um plágio de Salon Kitty, embora siga caminhos diferentes do filme de Tinto Brass a partir do seu segundo ato.

Ambos sofrem pelas produções baratas, mas possuem uma aura única, própria dos filmes de Bruno Mattei. Embora já tenha sido chamado de o pior diretor de todos os tempos por diversos críticos ao redor do mundo, Mattei era capaz de criar momentos impressionantes mesmo em seus filmes mais vagabundos. Na época em que lançou seus nazi-exploitations, ele já era um montador experiente, e entendia o bastante de cinema popular para oferecer ao público grindhouse o que ele queria.

Em termos de roteiro, há pouca coisa em Women’s Camp 119 (também lançado como KZ9 - Lager di sterminio, em referência a K-Tzenik) que o distinga de seus pares. De certa forma, trata-se de um dos nazi-exploitation mais genéricos já feitos, funcionando como uma boa iniciação ao filão. A trama se passa em um campo de experimentos onde um grupo de mulheres tenta sobreviver à crueldade dos nazistas, tanto nos alojamentos quanto no laboratório. A protagonista é a doutora Maria Black (Lorraine De Selle, do clássico exploitation Cannibal Ferox), uma médica judia que tem sua vida poupada para poder auxiliar o Dr. Meisel (Nello Riviè) a aumentar a fertilidade das mulheres alemãs. Após uma tentativa de fuga mal-sucedida, os dois médicos são trazidos de volta para o campo, onde devem ser enforcados para dar exemplo para as demais prisioneiras. Enquanto isso, o exército russo se aproxima, fazendo os nazistas temerem por seu futuro ao fim da guerra, com consequências drásticas.

Sem muitas surpresas nessa estrutura básica, os roteiristas Mattei, Aureliano Luppi e Giacinto Bonacquisti reservam a maior parte da sua criatividade para as cenas de morte. A mais brutal é a de uma garota que leva uma bala envenenada na perna e agoniza por duas horas até morrer. Outra cena memorável é aquela em uma garota em fuga põe sua vida em jogo para roubar salsichas de um grupo de soldados alemães. Esse foco nas cenas de morte e tortura evidenciam a natureza horrorífica do cinema nazi-exploitation. Nesse sentido, Women’s Camp 119 evoca mais a estrutura de um filme splatter do que a de um documentário da Segunda Guerra. Não por acaso, Mattei é mais conhecido como um diretor de filmes de horror, e já demonstra aqui essa preferência, especialmente na violência explícita representada em efeitos especiais baratos e eficientes.

Há uma tentativa de se fazer um filme com uma certa credibilidade histórica, mesmo que de forma canhestra. Um exemplo é o personagem de Gabriele Carrara, Otto Ohlendorf, que leva o mesmo nome de um oficial da SS da vida real. O filme também termina com letreiros com informações sobre o paradeiro de criminosos de guerra alemães, como Karl Silderbaur, Franz Murer e Josef Mengele, embora nenhum deles seja retratado no filme.


Infelizmente, Women’s Camp 119 não escapa de ter seus momentos ridículos. A única parte deliberadamente cômica (embora de extremo mau gosto) acontece quando um grupo de prisioneiros homossexuais são forçados a ir para a cama com mulheres como parte de um processo de “cura” que dá totalmente errado. Há também Kurt (Giovanni Attanasio), personagem grotesco que remete ao monstro de La Bestia in Calore, com seus grunhidos e libido insaciável. O ápice da bizarrice  é o experimento visando reviver um homem congelado, aquecendo o seu corpo através de estímulos sexuais. O corpo é deixado numa cama com várias mulheres se esfregando nele, e para a surpresa dos cientistas (e principalmente do espectador) o método dá certo, e a cobaia volta à vida.

Ao nunca se assumir como sátira ou como uma representação sombria da guerra, Women’s Camp 119 fica no meio do caminho e perde muito da sua força. Já em SS Girls, Mattei abraça o absurdo, criando um clima surreal e onírico para contar a história de um bordel criado para espionar oficiais nazistas. Passado longe dos horrores dos campos de concentração, SS Girls é dirigido com mão mais leve do que Women’s Camp 119. O foco aqui é a decadência moral dos oficiais nazistas, o que dá fôlego ao filme conforme ele deixa de ser uma simples cópia de Salon Kitty e apresentar ideias próprias.

Gabriele Carrara, Marina Daunia, que trabalharam com Mattei em Women’s Camp 119, retornam no papel dos responsáveis pela administração do bordel, ao lado de Macha Magall, de The Beast in Heat. O processo de seleção e treinamento das prostitutas é idêntico ao de Salon Kitty, inclusive reaproveitando Salvatore Baccaro como um monstro estuprador. Os cenários do bordel refletem as restrições orçamentárias, então não há nada parecido com os enormes quartos espelhados ou as luxuosas cenas musicais do filme de Tinto Brass.

O roteiro de Mattei e Bonacquisti compensa essa pobreza da produção com uma série de bizarrices memoráveis. A começar pelo personagem do Comandante Schellenberg (Gabriele Carrara), numa atuação exagerada que tenta ser intensa mas se torna risível. Num dos momentos mais famosos do filme, Schellenberg se fantasia de bispo católico para julgar um grupo de oficiais que planejavam assassinar Hitler. É o tipo de momento que só poderia acontecer em um nazi-exploitation, e jamais seria aceitável em nenhum outro gênero cinematográfico.

Mattei se diverte criando cenas de delírio visual, e estabelece um clima de pesadelo durante toda a trama. Como costuma acontecer em seus filmes, mesmo as partes ruins oferecem algo de memorável, seja nas performances, cenários ou no roteiro. Não é à toa que o cineasta possui uma legião de fãs ao redor do mundo até hoje, e o título de pior do mundo é um exagero que serve apenas para atrair mais pessoas para a sua filmografia.




Espectadores usuais do nazi-exploitation vão notar a forte semelhança entre o clímax de SS Girls e o de Fräuleins in Uniform. Não apenas por conta das situações semelhantes, mas porque Mattei copiou e colou a cena de batalhas de tanque do filme de Erwin C. Dietrich, editando-as dentro do seu filme sem jamais dar crédito ao diretor original. Essa era uma prática comum no cinema italiano exploitation, de mascarar baixo orçamento, copiando e colando trechos de filmes feitos com mais dinheiro.

SS Girls é um ótimo exemplo de entretenimento nazi-exploitation, desde que o espectador saiba o que tem pela frente. Não-iniciados provavelmente terminarão a sessão sem saber o que tirar da obra. Baixo, barato e apelativo, é um exemplo clássico de nazi-exploitation feito para esse público tão específico, e como tal é mais do que satisfatório. Infelizmente Mattei nunca voltou ao gênero que compreendia melhor do que muitos, mas deixou nele sua marca indelével.

Friday, February 2, 2024

Beast in Heat (1977)




 Lançado em julho de 1977, The Beast in Heat é a obra mais insana de todo o nazi-exploitation. Com um conceito bizarro e execução incompetente em todos os quesitos, é apenas para os iniciados no gênero. Isso o torna um filme fascinante, e um exemplo das maiores qualidades e defeitos que esse tipo de cinema tem a oferecer.

O diretor Luigi Batzella (sob o pseudônimo Ivan Kathansky) não era um estranho ao gênero. Em janeiro daquele mesmo ano, havia lançado Achtung! The Desert Tigers, uma mistura de nazi-exploitation com men on a mission. Passado em um campo de concentração no deserto africano, Achtung! The Desert Tigers conta a história de um grupo de soldados americanos, liderados por seu major (o galã Richard Harrison), que tenta escapar das garras do cruel Comandante von Stolzen (o fisiculturista Gordon Mitchell) e libertar as moças do campo.

Exceto por algumas cenas de nudez e toques de sadomasoquistas por conta da médica do campo (interpretada por Lea Lander), Achtung! The Desert Tigers é em sua essência um filme de aventura. Batzella não era estranho ao gênero, tendo roteirizado When the Bells Toll (1970), fita de men on a mission cujo título tentava fazer uma alusão ao romance Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway (mais sobre esse filme ainda neste capítulo). Os toques de nazi-exploitation servem para chamar o público desse tipo de filme e, assim, chamar mais gente para as salas de cinema.

A grande curiosidade de Achtung! The Desert Tigers é a presença de Gordon Mitchell, famoso por interpretar heróis e deuses em filmes estilo sandália e espada. Mitchell voltaria ao nazi-exploitation no tardio Holocaust Part 2 (Angelo Pannació, 1988), mais uma vez no papel de um oficial nazista. Acima de tudo, Achtung! serve como um contraponto ao que Batzella iria fazer logo depois, naquele mesmo ano, com The Beast in Heat. Analisando-os lado a lado, fica difícil acreditar que foram feitos pelo mesmo diretor.



Já na primeira cena de The Beast in Heat, passada no laboratório da insana Dra. Ellen Kratsch (Macha Magall), Batzella mostra que este será um filme diferente do seu anterior. Os experimentos da cientista têm como objetivo criar um monstro com virilidade sobre-humana para ser utilizada em interrogatórios. Preso numa jaula, o monstro está sempre pronto para violentar até a morte qualquer mulher que lhe seja oferecida. E é exatamente o que acontece com cada uma das cobaias que a Dra. Kratsch usa para demonstrar a eficácia de seus métodos para os seus superiores.

A partir daí o filme passa a acompanhar os habitantes de uma vila tomada pelos nazistas, que organizam uma resistência para conquistar a sua liberdade. Entre eles, está Irene (Brigitte Skay), uma jovem prostituta que tenta arrancar informações de seus amantes nazistas. Os outros rebeldes organizam atentados contra os nazistas, que, em retaliação, promovem massacres no vilarejo. Ocasionalmente a trama volta para a Dra. Kratsch, que utiliza diversos métodos de tortura para arrancar informações dos rebeldes, recorrendo a castração, eletrocução e, é claro, aos serviços de seu monstro de estimação.

Tudo isso culmina em uma longa batalha entre os rebeldes e os nazistas. Entre mortos e feridos, eles conseguem chegar ao calabouço da Dra. Kratsch que, numa ironia do destino, acaba se tornando vítima do monstro que criou. Os momentos finais de The Beast in Heat ainda tentam criar alguma comoção e trazer uma mensagem anti-bélica. Mas a imagem de um homem carregando uma criança morta em meio a um bombardeio não funciona como deveria depois do festival de absurdos do resto do filme.

Em termos de qualidade cinematográfica, The Beast in Heat é um desastre completo. Erros de todo tipo se amontoam durante o filme inteiro. Alguns são primários, como a sombra do cameraman e seu assistente sendo projetadas no cenários. Outros chegam a ser intrigantes, como as tomadas como imagem invertida que fazem com que as suásticas fiquem ao contrário. Isso sem nem mencionar os absurdos do roteiro e as armas que atiram balas invisíveis que não deixam buracos nas suas vítimas.


A cena de batalha que acontece no clímax do filme é uma colagem de tiroteios mal coreografados, explosões sem sentido e uso indiscriminado de cenas retiradas de When the Bells Toll. Impossível não notar quando um personagem dispara sua metralhadora e atinge inimigos em um cenário completamente diferente, filmado em uma película muito mais granulada.

Os heróis rebeldes não possuem muito carisma, ficando até difícil distinguir um do outro. Os únicos que conseguem criar um pouco de simpatia são Irene e o padre do vilarejo (interpretado por Brad Harris). Mas o destaque de The Beast in Heat são seus dois principais vilões. A estonteante belga Macha Magall se diverte horrores na pele da sádica Ellen Kratsch. Magall, que faria um papel mais bem comportado em SS Girls, cria aqui uma das mais interessantes variações da Ilsa, e faz papel mais memorável de sua curta carreira.

O monstro criado por Kratsch é interpretado por Salvatore Baccaro, sob o pseudônimo de Sal Boris (uma homenagem a Boris Karloff). Baccaro foi uma das figuras mais interessantes do cinema italiano de gênero. Tendo nascido com acromegalia, doença que fazia com que suas mãos e cabeça crescessem de maneira desproporcionada, Baccaro tinha a aparência de um homem das cavernas, embora fosse tido por seus amigos e companheiros como um homem meigo e simpático. Trabalhando como vendedor de flores em frente a um estúdio cinematográfico, Baccaro foi recrutado como ator por conta de suas feições incomuns, e construiu uma carreira interpretando monstros, inclusive em Salon Kitty, The Beast in Heat e SS Girls. O ator morreu em 1984, aos 51 anos, por conta de uma complicação cirúrgica. Estava então se preparando para o seu primeiro papel mainstream, no filme O Nome da Rosa (1986), no qual foi substituído por Ron Perlman.

The Beast in Heat também recebeu diferentes títulos ao redor do mundo, alguns genéricos como Horrifying Experiments of the S.S. Last Days, outros mais poéticos como francês Quand explose la dernière grenade (“Quando explode a última granada”) e o curioso SS Hell Camp, sendo que o filme nem sequer se passa num campo de concentração. O filme foi filmado na comuna romana de Guidonia Montecelio, usando habitantes locais como extras.



O filme de Batzella entrou na lista dos video nasties na época, e não foi liberado para lançamento na Inglaterra nem mesmo com cortes. De fato, retirar as cenas de sexo e violência de The Beast in Heat resultaria apenas em um média metragem de guerra mal filmado e sem sentido, desagradando a gregos e troianos. A pouca história que o filme tem para contar não é muito interessante, e seu grande atrativo são as cenas extremas e apelativas. O resto é polpa.

The Beast in Heat é um festival de mau gosto e, ao lado de Ilsa, She Wolf of the SS e Gestapo’s Last Orgy, um dos filmes mais grotescos no nazi-exploitation. Mas enquanto esses dois últimos filmes são mais bem acabados, The Beast in Heat foi feito nas coxas, e não sabe se quer ser uma comédia de humor negro ou um libelo à paz. Batzella atira para todos os lados e acerta todos os alvos errados. Por conta disso, seu filme confunde o espectador, que não sabe nunca se deveria estar rindo ou chorando. E é essa bagunça que faz de The Beast in Heat um filme memorável


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