Se há uma obra que engloba todas as características que fazem do nazi-exploitation um gênero maldito, esta é Gestapo’s Last Orgy. Embora não seja tão icônico quanto Ilsa, She Wolf of the SS, nem tão completo quanto Nazi Love Camp 27, o filme de Cesare Canevari consegue utilizar os aspectos mais polêmicos do nazi-exploitation a seu favor. E o faz com um esmero surpreendente.
Embora não seja nenhuma superprodução, Gestapo’s Last Orgy possui belos cenários e figurinos, efeitos especiais decentes e uma excepcional trilha sonora, com destaque para o tema da personagem principal. O roteiro de Canevari e Antonio Lucarella segue as convenções do gênero, e traz muitos dos estereótipos visto nos filmes anteriores (campo do amor, nazista arrependido, relação amorosa baseada na Síndrome de Estocolmo, depravação sexual, oficiala estilo Ilsa) e faz excelente uso de todos eles. Enquanto diversos outros exemplares do gênero soam repetitivos e fáceis de serem confundidos entre si, Gestapo’s Last Orgy é um filme com personalidade única.
Isso se deve em parte ao seu efeito de choque. Uma quantidade enorme de tabus sexuais e sociais é explorado no filme. Esse excesso por vezes soa gratuito, mas funciona bem na intenção de Canevari, que é apresentar o campo de concentração onde o filme se passa como um inferno absoluto. E a forma como os personagens interagem e evoluem dentro deste inferno é o que o torna interessante.
Os nazistas de Gestapo’s Last Orgy, auto-intitulados Übermenschen (não à toa o filme começa com uma citação de Nietzsche), tem como único interesse a satisfação dos suas perversões, sob o pretexto de estarem lutando pela “glória da Alemanha”. Dentro desse discurso, tudo é válido. Essa ideia é incorporada na figura Comandante Conrad von Starker (Adriano Micantoni, sob o pseudônimo de Marc Loud), que, revoltado por ter que administrar um campo do amor em vez de ir lutar no front, desconta sua frustração nas garotas que lhe são mandadas.
Eis que surge Lisa Cohen (Daniela Poggi, sob pseudônimo de Daniela Levy), garota judia que, sentindo-se culpada pela morte de sua família nas mãos dos nazistas, suporta todo o sofrimento do campo sem se lamentar. Isso provoca a ira de von Starker, que faz de Lisa seu projeto pessoal. Ele promete que irá torturar a garota até que ela crie medo da morte e, apenas então, dar cabo dela.
Essa promessa surge no momento mais emblemático do filme, onde, reunidos ao redor da mesa de jantar, os oficiais ouvem o discurso do cientista interpretado por Renato Paracchi. Ele defende a hipótese de usar os judeus como gado, mantidos em fazendas para serem abatidos e oferecidos como alimento ao povo alemão. Os presentes não apenas adoram a ideia como aceitam colocá-la em prática naquela mesma mesa, se deliciando com um guisado de carne humana e, em seguida, flambando viva uma das garotas presentes no jantar.
O que é importante nessa cena, narrativamente falando, não é apenas a repulsa que ela causa, mas a forma como apresenta os seus vilões. A teoria do cientista nunca é trazida novamente à baila, mas o comandante e seus asseclas a abraçam naquele momento, pelo puro prazer de quebrar mais um tabu. Isso é chave para entender como Canevari quer representá-los: crianças pervertidas no corpo de homens, dispostos a experimentar de tudo e tirando disso um prazer intenso e momentâneo.
Lisa Cohen é o oposto desse comportamento. Acreditando ter sido a culpada pelos nazistas terem encontrado o esconderijo de sua família, o que os levou à morte, Lisa parece não sentir nenhum tipo de dor nem temer pelo seu destino. Os horrores que causam náuseas ao espectador do filme nem sequer incomodam essa personagem, que os testemunha em primeira mão.
Isso incomoda também a capataz do campo, Alma (Maristella Greco), que tem uma relação sadomasoquista com o comandante von Starker. Alma coleciona objetos feitos de partes humanas, como luvas de pele de bebê, lingerie feita de cabelos e um abajur de pele humana, com uma tatuagem azul no meio. Mesmo ajudando von Starker em seu jogo sádico, ela logo percebe que seu reino está ameaçado quando seu superior se apaixona pra valer por Lisa, o que cria um estranho e doentio triângulo amoroso.
Esse tema é retirado direto de O Porteiro da Noite, o que fica óbvio desde a abertura do filme. Nela, von Starker dirige por longas estradas, enquanto se escuta vozes sem rosto descrevendo os horrores que ocorreram no campo sob seu comando. Depois de uma longa viagem, ele encontra Lisa e a agradece por ter testemunhado a seu favor no tribunal judeu, salvando-o da forca.
Esse encontro se dá cinco anos após o fim da guerra, e é por exigência de Lisa que os dois vão juntos visitar as ruínas abandonadas do que antes era o campo de concentração, por razões que só ficam claras no último ato do filme. É quando, ao fim da guerra, o fruto da relação entre os dois surge: um bebê de sangue judeu, que é enviado para execução logo após nascer. Von Starker tenta se manter fiel aos seus princípios distorcidos, professando clemência no ato de abater seu próprio filho.
Nesse sentido, Gestapo’s Last Orgy é o nazi-exploitation que explora o antissemitismo de maneira mais agressiva. Enquanto alguns filmes do gênero contornam a questão ou apenas a tocam de leve, Canevari não se faz de rogado na intenção de revoltar o espectador. Os dois momentos mais emblemáticos são na citada cena do jantar e na orgia que dá título ao filme, onde os soldados nazistas são expostos a doentias peças de propaganda antes de atacarem as garotas que servem como seu objeto de prazer.
Há ainda outro romance mais singelo entre a prisioneira Lea (Caterina Barbeiro) e um dos guardas do campo. Ele toma conta da garota, cuidando para que ela seja mandada para a enfermaria mesmo estando saudável, para escapar dos estupros diários. Uma história de amor mal explorada pelo roteiro, que termina de forma trágica por culpa da própria Lisa, a esse ponto completamente envolvida com von Starker.
No quesito dos títulos alternativos, Gestapo’s Last Orgy saiu em VHS no Brasil sob o título As Condenadas, numa cópia hoje raríssima. O título italiano original é L’Ultima Orgia del III Reich, bastante semelhante ao americano, mas também é conhecido como Caligula Reincarnated as Hitler. Essa bizarra alcunha foi bolada num relançamento de Gestapo’s Last Orgy, em uma tentativa de lucrar em cima do Calígula de Tinto Brass. Um título semelhante havia sido utilizado em Nerone e Poppea (1982), lançado internacionalmente como Caligula Reincarnated as Nero. Como não poderia deixar de ser, o filme de Canevari entrou para a lista dos Video Nasties, e não foi lançado na Inglaterra até hoje.
Gestapo’s Last Orgy oferece muitas leituras, e muitas delas vão além das ideias do próprio diretor. O próprio Canevari informou intenções em entrevista:
É principalmente um filme romântico, o amor entre uma ex-prisioneira judia e seu algoz, era isso que me interessava contar. Depois vinha o resto, as cenas de violências, as torturas, o sexo… tudo coisas que obviamente eu coloquei para seguir aquele filão específico. Não queríamos criar nenhuma outra leitura ao nazi-exploitation, queríamos criar um bom filme e no fim creio que conseguimos.
É irônico que, mesmo sem tentar muito, Canevari tenha criado um filme especial dentro do gênero. No fim das contas, Gestapo’s Last Orgy é um produto de 1977, o ano de apogeu do nazi-exploitation, e como tal é uma de suas obras mais bem acabadas. Não é um filme de guerra “sério”, mas ainda está num patamar acima de muitos dos seus primos de primeiro grau, e muito provavelmente é o melhor de todos eles.
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