Saturday, March 30, 2024

Holocaust 2: The Memories, Delirium and the Vendetta, Part Two


Um dos filmes mais incompreensíveis do cinema italiano de gênero (o que não é dizer pouco) Holocaust 2: The Memories, Delirium and the Vendetta, Part Two mistura nazi-exploitation, espionagem, experimentos genéticos, erotismo e toques de misticismo. A ideia de uma organização judia dedicada a capturar e matar criminosos de guerra é interessante, e poderia se adequar bem ao gênero. Mas o resultado final não apela a nenhum público, exploitation ou não. O leitor talvez tenha reparado no fato de que o título do filme informa duas vezes de que se trata de uma “parte 2”. Isso foi deliberado. Feito em 1980, quando o nazi-exploitation já havia deixado de ser um filão lucrativo, Holocaust 2 procura uma associação com a célebre minissérie televisiva Holocausto, estrelando Meryl Streep e Michael Moriarty, que fez grande sucesso em 1978. A propaganda é enganosa, pois, à parte um flashback, o filme se passa anos depois do fim da guerra. Os elementos nazi-exploitation estão presentes em doses homeopáticas, em cenas enxertadas sem muito critério. O filme ainda desperdiça a atriz Tina Aumont, que aparece rapidamente no tal flashback num campo de concentração. Talvez ciente de que Aumont era a melhor atriz do filme, o diretor Angelo Pannacicò repete essa cena inúmeras vezes durante a trama. Holocaust 2 caminha a passos de tartaruga depois de um início promissor, onde os agentes judeus encurralam um comandante nazista (William Berger) em sua casa e o matam junto com sua filha. O plano seguinte dos agentes é matar Lorenzo (Andrés Resino) o filho de um recluso criminoso de guerra nazista, na esperança de atrair o seu pai para uma emboscada. Parece simples o suficiente, mas a história começa a ficar confusa conforme o plano se desenvolve. A serviço dos agentes judeus está Dorothea (Kai Fisher), filha da personagem de Aumont, que foi vítima de experimentos nas mãos dos médicos nazistas, o que lhe conferiu poderes mentais especiais. Ela planeja hipnotizar a jovem andarilha Lucilla (Suzana Levi) para seduzir e matar Lorenzo no seu lugar. O mais estranho é a imensa semelhança física entre Lucilla e Dorothea, o que nos leva a questionar por que a hipnotizadora escolheria uma sósia para substituí-la no crime. Paralelamente, Holocaust 2 segue Felix Oppenheimer (o ex-fisiculturista Gordon Mitchell, que fez um comandante nazista em Achtung! Desert Tigers) um agente com a missão de facilitar o trabalho de Lucilla. Mitchell é uma presença estranha no filme, escondendo-se num disfarce de vendedor ambulante sem fazer muita coisa de útil pela maior parte da trama. Mesmo sendo um ator de presença imponente e com um currículo impressionante em filmes de sandália e espada, Mitchell poderia muito bem ser cortado de Holocaust 2 sem prejudicar nada além da (já curta) metragem do filme.


Essa incoerência tem explicação. A trama envolvendo Dorothea e Lucilla foi originalmente filmada em 1972 para o filme Subliminal, Una Splendida Giornata per Morire, que contava basicamente a história da garota com poderes mentais decidida a cometer um crime utilizando o corpo de outra. O filme permaneceu incompleto por anos, até que, com o revival do tema devido à citada minissérie, o diretor Pannacciò resolveu filmar novas cenas e redublar o filme, na esperança de ter de volta o dinheiro investido.

Isso explica por que as duas tramas principais (a caçada a criminosos nazistas e a relação de Dorothea com Lucilla) jamais se cruzam, e parecem fazer partes de filmes diferentes. Até os créditos iniciais soam completamente deslocados, com uso de fotografias da guerra aparecendo ao lado dos nomes do elenco e equipe. No mínimo desonesto para um filme que se passa quase todo numa ensolarada cidade à beira mar, com fartas tomadas de praias e mercadores de peixe.

Uma cena em particular, em que o médico nazista é capturado enquanto visitava o túmulo de seu filho, é risível. O diálogo entre o refém e seus algozes acontece todo em voice over, enquanto a câmera acompanha um carro pelas estradas da cidade. A cena seguinte, que poderia ser o ápice do filme, apenas deixa o espectador mais confuso. O médico é amarrado a uma maca, onde um bode lambe as solas de seus pés, fazendo cócegas até que ele morra de rir. Impossível compreender o que passou pela cabeça do diretor e roteirista Pannacciò para conceber essa cena, que nunca mais é referenciada pelos personagens.


A missão continua, pois aparentemente há mais criminosos de guerra se escondendo naquela mesma cidade. Depois de matar um casal de nazistas com uma furadeira, Lucilla retorna para a casa de Dorothea, onde, após consumar o amor de uma pela outra, elas se matam. Por que fizeram isso? Por que Dorothea precisava de Lucilla para cometer os crimes? Quem era Lucilla, e o que estava fazendo naquela cidade? Qual a ligação das duas com a organização de caçadores de nazistas? Seria Lucilla uma sobrevivente do Holocausto, como Dorothea? E qual o papel de Felix em tudo isso? A conclusão de Holocaust 2 deixa mais perguntas do que respostas, e mesmo com toda a boa vontade do mundo, é difícil não ficar frustrado quando os créditos finais começam a rolar.

Desnecessário dizer que Holocaust 2 não foi bem sucedido o suficiente para reviver o nazi-exploitation, que já estava morto desde o fim de 1978. Como qualquer gênero do cinema exploitation, ele teve seu momento de glória e caiu no esquecimento. Algumas dessas obras seriam lançadas em VHS, em cópias que se tornaram cada vez mais raras. Foi só depois do fenômeno do DVD que ele pôde ser redescoberto, especialmente em cópias piratas convertidas desses mesmos VHS. Hoje, quase todos os filmes do gênero estão disponíveis para download pirata ou mesmo no YouTube, em cópias sem corte.

Holocaust 2 foi o último respiro do nazi-exploitation em sua forma tradicional. Mas não representa o final da nossa jornada. O gênero teve uma ligeira sobrevida em 1988 Fantasmas de Sodoma de Lucio Fulci e, mais recentemente, com homenagens de cineastas como Rob Zombie e Keith J. Crocker. É o que examinaremos nos capítulos seguintes.

Friday, March 22, 2024

Shock Waves (1977) e Zombie Lake (1981)



 Embora não seja um nazi-exploitation tradicional, Shock Waves merece destaque neste livro por ter sido o precursor do curioso subgênero dos zumbis nazistas. Essa produção britânica foi rodada em 1975, e lançada em 1977, ou seja, um ano antes de Despertar dos Mortos de George Romero. Portanto, Shock Waves se safa da maioria dos clichês dos filmes de zumbi, usadas em dezenas de cópias europeias do filme de Romero que sairiam nos anos seguintes.

A trama de Shock Waves se passa durante um cruzeiro em alto-mar, num navio comandado pelo personagem de John Carradine. Depois de cruzarem com um enorme navio fantasma, os passageiros e a tripulação são forçados a se isolarem em uma ilha nas vizinhanças, onde encontram um hotel abandonado. Neste hotel, vive um ex-comandante da SS, interpretado por Peter Cushing, que coordenou no passado um experimento para criar um batalhão de soldados imortais, capazes de respirar debaixo d’água.

O resultado desse experimento são os bizarros zumbis aquáticos que rondam a ilha. Estes não são comedores de carne humana, nem se proliferam como ocorre em quase todos os filmes do gênero. São soldados putrefatos cujo único instinto é afogar suas vítimas, agindo com precisão militar. Usam uniformes da SS e caminham calmamente pelo fundo do mar, esperando as suas próximas vítimas. A única forma de matá-los é removendo as viseiras de lentes escuras que protegem seu rosto da luz do sol, o que é mais fácil de dizer do que de fazer.

O maior defeito de Shock Waves está nas interpretações fracas da maior parte do seu elenco. Salvam-se apenas os dois nomes mais famosos, Carradine e Cushing, lendas absolutas do horror que têm participações curtas mas essenciais. Cushing, em particular, está fascinante como o comandante arrependido, que viveu décadas isolado na ilha, tentando proteger o mundo dos zumbis que ele mesmo criou. Carradine também está ótimo como o rabugento capitão do navio cruzeiro, e é uma pena que os dois gigantes não tenham nenhuma cena juntos.

Ainda sobre o elenco, todos os zumbis do filme foram interpretados por um grupo de apenas oito atores, enquanto truques de edição fazem parecer que são uma horda muito maior. Um desses atores foi o jornalista Jay Maeder, que trabalhava na época como colunista do periódico Miami Herald People. Conhecido por sua irreverência, Maeder participou de Shock Waves com o objetivo de escrever sobre a experiência para a sua coluna, num artigo chamado I Was a Zombie, que foi publicado antes do lançamento do filme.

Por mais estranha que seja a ideia de zumbis nazistas, ela foi explorada em uma quantidade respeitável de produções nos anos seguintes. O gênero já existia em estágio embrionário desde Revenge of the Zombies, de 1943, filme de propaganda feito pelo governo britânico onde um cientista alemão tenta criar um exército de mortos-vivos. Vale também o filme de 1966, The Frozen Dead, sobre um cientista louco que mantém as cabeças congeladas de oficiais nazistas esperando reiniciar o Terceiro Reich. Esses dois filmes foram feitos antes de A Noite dos Mortos Vivos (1968) filme que mudou para sempre a imagem dos zumbis no cinema de horror.

Em 1981, Jean Rollin lançou Zombie Lake, uma produção francesa da Eurociné. O filme é uma das piores produções já feitas, tanto no nazi-exploitation quanto no gênero zumbi, cheia de erros de continuidade, lógica, edição e cronologia. Cineasta de respeito, Rollin passou o resto da vida tentando esconder que foi o diretor de Zombie Lake, com medo de manchar a sua reputação.

A trama de Zombie Lake trata de um batalhão nazista massacrado à beira de um lago que retorna anos depois para aterrorizar uma pequena vila. A maquiagem dos zumbis se limita a tinta verde aplicada sobre o rosto dos atores (mãos e pescoços não incluídos), e o seu alvo preferido são mulheres nuas nadando ou tomando sol à beira do lago. O mais surreal é o oficial zumbi que tenta reatar os laços com sua filha pequena, apesar do seu estado avançado de putrefação.



Zombie Lake passa longe da qualidade da maior parte da filmografia de Rollin, e se aproxima mais dos piores filmes do espanhol Jesus Franco, diretor originalmente escalado para o projeto. Ainda assim, Franco teve sua chance com zumbis nazistas, no igualmente abismal Oasis of the Zombies. Numa trama igualmente absurda, envolvendo a caça a um tesouro nazista no deserto da África, Oasis of the Zombies existe em duas versões, uma francesa e outra espanhola, com atores diferentes assumindo determinados papéis em cada uma delas.

O infame diretor exploitation Joel M. Reed deu sua contribuição ao tema com Night of the Zombies (1981). Diretor polêmico, famoso pelo longa de 1976 O Incrível Show de Torturas, Reed criou um filme lento com poucos zumbis, que não agradou a nenhum tipo de público. Foi seu último trabalho como diretor, embora continue trabalhando como ator até hoje. Curioso notar a presença de Jamie Gillis no papel principal. Gillis foi um ator pornô de sucesso, e ainda em 1981 teve seu papel mais lembrado no cinema mainstream, no longa Os Falcões da Noite.

Os zumbis nazistas ficaram esquecidos por um tempo, mas nos últimos anos foram revividos em dezenas de filmes de horror de baixo orçamento. O melhor de todos é a produção dinamarquesa Dead Snow (2009), que mostra um batalhão de mortos vivos atacando em montanhas cobertas de neve. A proposta do filme não é ser levado a sério, mas criar um festival gore que remete aos primeiros filmes de Sam Raimi e Peter Jackson. O diretor Tommy Wirkola foi importado para Hollywood onde dirigiu o fraco João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013) e no ano seguinte voltou para a Dinamarca para dirigir Dead Snow 2 (2014).



Atualmente, um grande mercado para os zumbis nazistas são os filmes direto para o vídeo, em filmes como Zombienation (Hail to the Führer) (2009), Blubberella (2011) e A Chance in Hell (2011). O longa Operação Overlord (2018) foi o mais mainstream que esse subgênero conseguiu chegar, sendo exibido em grandes cinemas e com efeitos especiais de alto nível. Ainda que os monstros mostrados em Operação Overlord não sejam exatamente zumbis tradicionais, o longa merece menção, especialmente por conseguir equilibrar os gêneros de guerra e horror. 

Friday, March 15, 2024

Nathalie: Escape From Hell (1977) e East of Berlin (1977)


 O curto ciclo nazi-exploitation da Eurociné termina em 1978, com dois filmes bem abaixo da média: Nathalie: Escape From Hell (Alain Payet) e East of Berlin (Pierre Chevalier e Jesus Franco). Dois filmes bastante diferentes em teor e tema, ambos são feitos por diretores experientes no cinema exploitation. Payet já havia dirigido Hitler’s Last Train, e continuaria uma longa e prolífica carreira no cinema de baixo escalão, nunca parando de dirigir até sua morte em 2007.

Já Jesus Franco é uma lenda no cinema exploitation, tendo dirigido centenas de filmes de qualidades extremamente variadas. No seu currículo encontra-se obras-primas como O Terrível Dr. Orloff (1962) e Eugenie (1970) ao lado de tranqueiras inacreditáveis como Dracula Vs. Frankenstein (1972) e diversos filmes WIP, pornôs explícitos e obras de gosto discutível. Difícil dizer o quanto de East of Berlin foi dirigido por ele, já que assina o filme ao lado do também experiente Pierre Chevalier.

Patrizia Gori vive a personagem título de Nathalie, uma médica que cuida sozinha dos enfermos de uma vila tomada pelos nazistas, viajando de casa em casa em sua bicicleta para prestar cuidados médicos. Enquanto dá assistência a um idoso, Nathalie é surpreendida por um batalhão nazista que chega com um oficial mortalmente ferido pela resistência. Incapaz de salvar a vida do oficial, ele é tomada como prisioneira e enviada para um campo.



O destino final de Nathalie é o castelo de Stillberg, anteriormente usado pela Eurociné em Helga, She Wolf the Stillberg, também dirigido por Payet. De fato, Nathalie é quase uma refilmagem desse filme, trocando as referências indiretas ao nazismo por outras mais literais. A vilão de Nathalie também é uma dominatrix chamada Helga, interpretada por Jacqueline Laurent, que desenvolve uma obsessão doentia por Nathalie.

Enquanto o filme se ocupa da tradicional trama de dominação entre nazistas e prisioneiros, há ainda uma sub-trama de espionagem. Esta é apresentada numa cena cômica onde oficiais aliados preparam um café com uísque e debatem a necessidade de se resgatar uma prisioneira em Stillberg que sabe de planos cruciais para derrubar os nazistas. Um destes oficiais consegue se infiltrar como membro da Cruz Vermelha e incumbe Nathalie de cumprir a missão.

Nathalie é um nazi-exploitation padrão, que grita bingo na lista de chavões do filão. A heroína de Patrizia Gori tem bastante agência dentro da trama, e o fato de ser médica lhe dá bastante coisa para fazer na trama. Jacqueline Laurent dá tudo de si no papel da cruel Helga, criando uma ótima vilã, injustamente esquecida entre as Elsas e Ilsas do gênero. O filme sobrevive em uma cópia razoável que valoriza a bela fotografia, especialmente nos cenários dentro do castelo de Stillberg.

Difícil é encontrar qualidades para se enaltecer em East of Berlin. Considerando que naquele mesmo ano Jesus Franco dirigiu Women in Cellblock 9, um dos mais extremos WIPs da história do cinema, é estranho notar o quanto ele está contido em East of Berlin. Pode-se até dizer que Franco está completamente desinteressado no filme, embora não se possa dizer o quanto foi dirigido por ele e por Chevalier. Com longos takes estáticos de diálogos monótonos, personagens sem propósito e uso abundante de imagens de arquivo é quase como se East of Berlin tivesse se dirigido sozinho.



A protagonista aqui é Renata (Brigitte Parmentier) uma jovem alemã que aceita se prostituir em um bordel nazista para proteger a vida do pai, preso por esconder uma jovem judia em sua casa. Seu caminho se cruza com o do capitão Erich von Strasser (Jean-Marie Lemaire) seu amigo de antes da guerra, que tenta ajudá-la a fugir daquela vida. Mas logo Renata é selecionada para servir num trem-bordel no front, ao passo que Erich é enviado para lutar na Rússia. Por mais improvável que seja, eles se encontram de novo e decidem fugir da guerra, largando a ideologia nazista para trás.

East of Berlin é um filme absurdamente barato, que faz uso de imagens de arquivo não apenas de documentários da guerra, mas também dos filmes da Eurociné. A batalha inicial, com soldados atacando um forte no deserto, vem de um filme de 1971 chamado Heroes Without Glory. A seleção das garotas a serem enviadas para o trem-bordel é feita por Malisa Longo, em cenas retiradas diretamente de Fraulein Kitty. Quando o trem é atacado pela resistência francesa, são as mesmas tomadas feitas em Nathalie. Imagens do trem percorrendo os trilhos são as mesmas de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train. Cenas reais de pelotões alemães marchando com uma tomada de Elsa executando um oficial desertor, juntando realidade e ficção de maneira canhestra. Franco chega ao ponto de usar a trilha sonora de fundo de uma cena de festa de Hitler’s Last Train para economizar gravar um áudio novo para um momento similar em seu filme.

Franco voltaria brevemente ao tema do nazi-exploitation com seu WIP Jailhouse Wardress, que também faz uso de cenas de Hitler’s Last Train e Fraulein Kitty, embora a conexão aqui seja mais frouxa. O filme, também lançado pela Eurociné, trata de uma oficial nazista que foge para a América do Sul depois do fim da guerra, e se torna a diretora de uma prisão feminina.

E assim termina a breve aventura da Eurociné no nazi-exploitation tradicional. A produtora, que fechou em 1989, não conseguiu trazer nada de muito memorável no gênero, embora tenha dado uma contribuição importante para o gênero de zumbis nazistas, conforme veremos no próximo capítulo. O nazi-exploitation, já moribundo começava a dar os seus últimos suspiros. O interesse do público por tramas de violência e sexo nunca diminuiu, mas essas tramas não mais aconteciam em campos do amor e bordéis decorados com suásticas. Para sobreviver, o nazi-exploitation precisava se adaptar e reinventar, algo que nunca chegou a fazer de maneira relevante. Os produtores de cinema barato estavam sempre interessados em dar ao público o que ele queria. E, após a explosão do filão 1977, o público parece ter se cansado dele.


Friday, March 8, 2024

Hitler’s Last Train (1977) e Fraulein Kitty (1977)





 Embora o grosso da filmografia nazi-exploitation tradicional tenha sido produzido na Itália, os franceses também deram uma importante colaboração ao filão. O estúdio Eurociné, especializado em filmes exploitation, produziu uma quantidade razoável de filmes eróticos de guerra e de zumbis nazistas. Dentre estes, destacam-se Hitler’s Last Train (1977) e Fraulein Kitty (1977), duas produções que desenvolveram o já batido tema do bordel nazista, transferindo a ambientação para trens que levavam as prostitutas para atender seus clientes no front de batalha e, ao mesmo tempo, espionar os oficiais que planejam trair o Terceiro Reich.

O dono da Eurociné, Marius Lesoeur, era ele mesmo um veterano da Segunda Guerra Mundial. Lesoeur fundou a produtora em 1957, onde produziu diversas comédias e faroestes até ser convencido pelo cineasta espanhol Jesus Franco a investir no cinema de horror com O Terrível Dr. Orloff. O produtor logo se especializou em cinema exploitation, com filmes baratos e apelativos que reaproveitavam cenas e recursos uns dos outros. Esse estilo rendeu uma filmografia longa e lucrativa, que durou até o fim da produtora em 1991.

Ambos os filmes possuem basicamente a mesma trama, tirada diretamente de Salon Kitty, mas dessa vez sobre linhas ferroviárias. A diferença está na execução. Hitler’s Last Train foi dirigido por Alain Payet (assinando como James Gartner), cineasta medíocre acostumado a lançar diversos filmes por ano, até sua morte em 2007. O filme tem um ritmo irregular e direção insossa, além de um elenco pouco inspirado. A única personagem marcante é a protagonista Ingrid Schüller (Monica Swinn), oficial libertina da SS que controla o trem-bordel.



A cópia disponível de Hitler’s Last Train possui péssima qualidade de imagem, mas uma restauração faria pouca diferença, já que o filme é quase todo rodado em cenários pobres e externas poucas inspiradas. As cenas dentro do trem são filmadas de maneira que nunca convence o espectador de que aquele cenário está em movimento, o que mina o propósito da trama. Se há algo pelo qual Hitler’s Last Train merece ser relembrado é a conclusão da trama, que oferece uma divertida ironia para a personagem principal.

Indo na contramão da maioria dos nazi-exploitations, Hitler’s Last Train possui uma estranha aura pró-nazista. Uma cena em especial mostra um grupo de soldados da resistência invadindo o trem e humilhando as garotas alemãs, inclusive forçando uma delas a urinar em uma foto de Hitler. Poderia se dizer que o roteiro quer mostrar que na guerra nenhum dos lados está livre da imoralidade. Se isso foi intencional ou não, fica aberto para debate.

Fraulein Kitty foi dirigido por Patrice Rhomm (assinando como Mike Staar), que, embora longe de ser um Tinto Brass, consegue dar um ritmo melhor ao filme. Os maiores trunfos de Rhomm são a fotografia exuberante (ajuda o fato de o filme existir numa excelente cópia restaurada) e o uso inteligente de imagens de arquivo. Enquanto a maioria dos cineastas nazi-exploitation usam este recurso apenas como uma transição barata entre cenas, Rhomm consegue combinar as filmagens de guerra com a trama e trilha sonora do filme, através de uma montagem cuidadosa.

Fraulein Kitty faz uso muito melhor não apenas do cenário do trem, mas com as possibilidades dramáticas que ele oferece. Em uma cena marcante, Elsa descobre um jovem soldado a bordo, que saltou do trem que o levava para o front direto para o bordel sobre trilhos. Ela o seduz e tira sua virgindade, antes de executá-lo com um tiro na cabeça. Um momento que não faria sentido em uma ambientação diferente. O mais perto que Hitler’s Last Train chega disso é quando Ingrid encurrala um grupo de generais acusados de tentar assassinar o Führer a bordo do seu trem para uma orgia, o que não faz muito sentido.

Ajuda também o fato de Fraulein Kitty ter Malisa Longo no papel da comandante Elsa. Atriz habitual do cinema exploitation e de horror na época, Malisa é mais lembrada pelo papel da prostituta italiana que tenta seduzir Bruce Lee em O Voo do Dragão (1973). Hoje ela é escritora e jornalista, tendo abandonado o mundo do cinema nos anos noventa, e afirma ter um grande carinho pelos seus filmes nazi-exploitation, tendo atuado neles em francês com som direto. Malisa é a alma de Fraulein Kitty, e sua Elsa é uma das melhores variações da Ilsa de Dyanne Thorne, com uma forte carga sadomasoquista e olhar cheio de crueldade.

O filme traz também Olivier Mathot no papel do arrependido major Holbach, que se junta à resistência para pôr um fim na guerra. Holbach é um dos personagens mais complexos do nazi-exploitation, um homem amargurado e submisso sexualmente à dominadora Elsa. É através do romance que ele desenvolve com uma das prostitutas do trem, Liselotte (Patrizia Gori, que faria o personagem principal em Nathalie - Rescued from Hell) que ele toma coragem para fazer o que deve ser feito.

O conceito de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train, foi criado por um tal Victor Hadria, que não possui nenhum outro crédito no cinema. A ideia foi desenvolvida por dois times de roteiristas diferentes, Jack Guy, Eduardo Manzanos e José Luis Navarro para Hitler’s Last Train; e Patrice Rohmm e Marius Lesoeur para Fraulein Kitty. Os dois filmes foram lançados nos cinemas com oito meses de diferença, e a impressão é que Rohmm e Lesoeur assistiram ao filme de Hitler’s Last Train e fizeram diversas anotações sobre como melhorar a trama.



Além de possuir personagens melhores e um desenvolvimento mais dinâmico, Fraulein Kitty é um filme visualmente deslumbrante, que faz uso de belas locações de vilarejos no Alto Reno francês. Infelizmente, as cenas de tiroteios são risíveis pela falta de buracos de balas (algo infelizmente comum no nazi-exploitation) e pelo fato de que a maioria dos atores não sabem para que lado cair quando levam um tiro.

Tendo sido feitos ao mesmo tempo e pelos mesmos produtores, uma sessão dupla de Fraulein Kitty e Hitler’s Last Train é uma experiência interessante. Além de compartilhar diversos atores e equipamentos, ambos os filmes usam as mesmas tomadas do trem nazista em movimento. Mais curioso ainda é o reaproveitamento dos figurinos, especialmente quando o mesmo suéter com estampas de losango é usado nos dois filmes, por atores diferentes.

Rhomm, que demonstrou grande talento para o gênero, não voltaria mais a ele, tendo dirigido apenas mais quatro comédias eróticas de menor projeção antes de se aposentar. O que é uma pena, pois sua visão para o nazi-exploitation mostrava potencial, e poderia ter gerado mais algumas pérolas caso tivesse insistido no gênero. Payet faria mais dois nazi-exploitations para a Eurociné no ano seguinte, inclusive dirigindo Malisa Longo em Helga, She Wolf of Stilberg. Este é um filme estranho, que se coloca na fronteira entre o nazi-exploitation e os filmes de mulheres na prisão.

O governo repressor de Helga é uma mistura do regime nazista com uma ditadura de república de bananas, e seus membros usam uma insígnia que parece uma variante da suástica. Fora isso, o filme tem todos os elementos de um nazi-exploitation. Uma variante dessa ideia foi apresentada pelo cineasta mineiro Tony Vieira no longa nacional O Último Cão de Guerra. Lançado no ano seguinte a Helga, o filme brasileiro também apresenta um regime alternativo, chamado apenas de A Causa, cujos seguidores em pouco diferem dos crueis comandantes do nazi-exploitation tradicional.


Friday, March 1, 2024

The Red Nights of the Gestapo (1977)




 The Red Nights of the Gestapo é um enigma entre os nazi-exploitations lançados em 1977. Escrito e dirigido por Fabio Di Agostini, o filme tem pretensões históricas fortes, ao mesmo tempo em que apresenta cenas de perversão sexual no melhor estilo de filme grindhouse.  O próprio fato de ter sido lançado no ano de outro do nazi-exploitation parece ser uma coincidência. Ao contrário de seus contemporâneos, a violência de The Red Nights of the Gestapo é discreta, e sua mensagem anti-guerra é bastante sutil. Trata-se do terceiro e último filme do diretor, o primeiro tendo sido feito vinte anos antes, em 1957, e o segundo em 1970. Não se pode acusar Agostini de ser um aproveitador do calibre de Bruno Mattei: este é um filme que ele queria muito fazer. O difícil é entender o que o levou a isso.

The Red Nights of the Gestapo começa com um letreiro sobre a fuga de Rudolf Hess para a Inglaterra, em 1941. Braço direito de Adolf Hitler, Hess escapou para tentar negociar paz com os Aliados. Revoltado com o acontecimento, Heinrich Himmler (representado aqui por, em uma ótima caracterização) coage o capitão Werner von Uhland a aceitar uma missão. Com o objetivo de sacudir a Intelligentsia alemã e evitar traições como a de Hess, von Uhland deve reunir um grupo de homens poderosos e impedir que unam forças para tentar forçar um tratado de paz. Von Uhland aceita a missão de bom grado, já que a sua recusa resultaria em fuzilamento, já que ele era responsável por vigiar o espaço aéreo quando Hess escapou.

A estratégia do capitão é convidar esses homens para um fim de semana na mansão campestre de Helmut von Danzig (Fred Williams) e apelar para a perversão sexual preferida de cada um deles. Estas vão desde bondage e sexo grupal até lactofilia (fetiche por leite materno) e pedofilia. Para isso, von Uhland recruta mulheres em bordéis e manicômios, até encontrar aquelas aptas a satisfazer todo e cada fetiche da forma mais completa possível. Assim, conseguirá o material necessário para chantagear o grupo de intelectuais e impedi-los de trair o partido nazista.



A trama de The Red Nights of the Gestapo está longe de ser emocionante, mas talvez uma execução mais séria poderia render um bom drama político. O seu defeito está exatamente em ser um nazi-exploitation, dedicando tanto tempo a nudez e fetiches sexuais, e ao mesmo tempo querer tratar de temas tão burocráticos. Não há urgência alguma na trama, exceto por quando von Uhland descobre que ele mesmo está sendo espionado pela Gestapo, mas mesmo essa subtrama é resolvida antes da primeira hora de projeção.

As motivações do próprio von Uhland são confusas, já que em alguns momentos ele parece determinado em cumprir sua missão, enquanto em outras parece querer virar o jogo para sabotar o próprio partido nazista de dentro para fora. Mesmo que este seja seu objetivo, os meios que ele usa para atingi-lo impedem que ele se torne um personagem simpático.

Ainda assim, The Red Nights of the Gestapo possui algumas escolhas estéticas interessantes. As cenas envolvendo Heinrich Himmler em seu quartel general são os melhores momentos do filme, utilizando a cenografia, edição e fotografia para criar uma aura poderosa e aterrorizante ao redor do comandante da SS. Nazi-exploitations raramente utilizam figuras históricas como personagens, mas The Red Nights of the Gestapo o faz de maneira memorável.

Por falar em cenografia, os cenários são em sua maior parte deslumbrantes, especialmente dentro do castelo de Danzig, onde as orgias acontecem. A câmera tem um fetiche em explorar o ambiente ao seu redor em cortes bruscos e ângulos estilosos, criando um clima onírico que dá personalidade ao filme. Há em cada cena um refinamento estético que faz muita falta em um filme como SS Girls ou Nazi Love Camp 27, e que é a principal razão para se assistir a Red Nights of the Gestapo ao menos uma vez.

Este refinamento está presente mesmo nas cenas eróticas, como naquela em que a projeção de um documentário sobre Hitler é interrompido por um strip-tease que rouba a atenção dos intelectuais ali reunidos. A exposição dos corpos das belas atrizes é muitas vezes precedida de algum ritual burlesco com temática nazista, num espírito teatral que reflete as intenções de von Uhler de manipular os homens poderosos que reuniu no castelo.

Contudo, o aspecto mais curioso de The Red Nights of the Gestapo não está na tela, mas sim nos bastidores. Os créditos iniciais informam que o roteiro de Agostini, em parceria com Oscar Righini, foi baseado em fatos históricos retratados nas memórias de Bertha Uhland, esposa de Werner von Uhland e interpretada no filme por Paola Maiolini. Na verdade, o próprio diretor redigiu o livro Dopo Rudolf Hess Solstizio di tenebre - memorie de Bertha Uhland, uma obra de ficção lançada no ano seguinte ao filme. Logo, as próprias ambições históricas do filme foram fraudadas, numa estratégia desonesta para convencer o espectador de que o que está vendo realmente aconteceu.



Se há um paralelo histórico a ser feito entre a trama e a história alemã, é com a Noite das Facas Longas. Em junho de 1934, Adolf Hitler ordenou um expurgo dos membros da SA, organização paramilitar do partido nazista, que resultou na execução de diversos homens leais ao líder Ernst Röhm. A Noite das Facas Longas já havia sido retratada por Luchino Visconti no clássico neo-decadente Os Deuses Malditos (1969), e é recriada no massacre do clímax de The Red Nights of the Gestapo. Não apenas por causa do massacre final, mas também por conta do título italiano original Le Lunghe Notti Della Gestapo (As Longas Noites da Gestapo). O título americano faz pouco sentido, e o filme foi lançado em VHS no Brasil com um nome ainda mais estranho, As Noites Rosa da Gestapo.

Aparte essas curiosidades e seu apuro técnico, The Red Nights of the Gestapo não se sustenta como cinema. Com uma duração excessiva (110 minutos) e uma história desinteressante, o filme só pode ser recomendado como uma curiosidade para os curiosos na história do nazi-exploitation. Vista dessa maneira, a obra tem os seu fascínio, e ganha pontos por escapar dos clichês de um gênero, provando o quão complexo e multifacetado este pode ser.