Com o nazi-exploitation em seu período mais fértil, seria estranho se o cineasta italiano Bruno Mattei não resolvesse tirar sua casquinha. Considerado um dos cineastas mais oportunistas do cinema da época, Mattei estava em começo de sua carreira como diretor quando lançou Women’s Camp 119 e SS Girls, ambos no primeiro semestre de 1977. Desde então, ele construiu uma carreira baseada em seguir tendências de sucesso em diversos gêneros, como horror, faroeste e cinema erótico, tornando-se um dos nomes mais prolíficos da época.
Produzidos por companhias diferentes, estes dois filmes exploram vertentes distintas do nazi-exploitation. Women’s Camp 119 se passa num campo de experimentos, e não se furta a mostrar diversas crueldades praticadas pelos nazistas, ao mesmo tempo em que tenta passar uma mensagem anti-guerra. Nesse quesito, assemelha-se bastante aos filmes de Sergio Garrone. Já SS Girls é claramente um plágio de Salon Kitty, embora siga caminhos diferentes do filme de Tinto Brass a partir do seu segundo ato.
Ambos sofrem pelas produções baratas, mas possuem uma aura única, própria dos filmes de Bruno Mattei. Embora já tenha sido chamado de o pior diretor de todos os tempos por diversos críticos ao redor do mundo, Mattei era capaz de criar momentos impressionantes mesmo em seus filmes mais vagabundos. Na época em que lançou seus nazi-exploitations, ele já era um montador experiente, e entendia o bastante de cinema popular para oferecer ao público grindhouse o que ele queria.
Em termos de roteiro, há pouca coisa em Women’s Camp 119 (também lançado como KZ9 - Lager di sterminio, em referência a K-Tzenik) que o distinga de seus pares. De certa forma, trata-se de um dos nazi-exploitation mais genéricos já feitos, funcionando como uma boa iniciação ao filão. A trama se passa em um campo de experimentos onde um grupo de mulheres tenta sobreviver à crueldade dos nazistas, tanto nos alojamentos quanto no laboratório. A protagonista é a doutora Maria Black (Lorraine De Selle, do clássico exploitation Cannibal Ferox), uma médica judia que tem sua vida poupada para poder auxiliar o Dr. Meisel (Nello Riviè) a aumentar a fertilidade das mulheres alemãs. Após uma tentativa de fuga mal-sucedida, os dois médicos são trazidos de volta para o campo, onde devem ser enforcados para dar exemplo para as demais prisioneiras. Enquanto isso, o exército russo se aproxima, fazendo os nazistas temerem por seu futuro ao fim da guerra, com consequências drásticas.
Sem muitas surpresas nessa estrutura básica, os roteiristas Mattei, Aureliano Luppi e Giacinto Bonacquisti reservam a maior parte da sua criatividade para as cenas de morte. A mais brutal é a de uma garota que leva uma bala envenenada na perna e agoniza por duas horas até morrer. Outra cena memorável é aquela em uma garota em fuga põe sua vida em jogo para roubar salsichas de um grupo de soldados alemães. Esse foco nas cenas de morte e tortura evidenciam a natureza horrorífica do cinema nazi-exploitation. Nesse sentido, Women’s Camp 119 evoca mais a estrutura de um filme splatter do que a de um documentário da Segunda Guerra. Não por acaso, Mattei é mais conhecido como um diretor de filmes de horror, e já demonstra aqui essa preferência, especialmente na violência explícita representada em efeitos especiais baratos e eficientes.
Há uma tentativa de se fazer um filme com uma certa credibilidade histórica, mesmo que de forma canhestra. Um exemplo é o personagem de Gabriele Carrara, Otto Ohlendorf, que leva o mesmo nome de um oficial da SS da vida real. O filme também termina com letreiros com informações sobre o paradeiro de criminosos de guerra alemães, como Karl Silderbaur, Franz Murer e Josef Mengele, embora nenhum deles seja retratado no filme.
Infelizmente, Women’s Camp 119 não escapa de ter seus momentos ridículos. A única parte deliberadamente cômica (embora de extremo mau gosto) acontece quando um grupo de prisioneiros homossexuais são forçados a ir para a cama com mulheres como parte de um processo de “cura” que dá totalmente errado. Há também Kurt (Giovanni Attanasio), personagem grotesco que remete ao monstro de La Bestia in Calore, com seus grunhidos e libido insaciável. O ápice da bizarrice é o experimento visando reviver um homem congelado, aquecendo o seu corpo através de estímulos sexuais. O corpo é deixado numa cama com várias mulheres se esfregando nele, e para a surpresa dos cientistas (e principalmente do espectador) o método dá certo, e a cobaia volta à vida.
Ao nunca se assumir como sátira ou como uma representação sombria da guerra, Women’s Camp 119 fica no meio do caminho e perde muito da sua força. Já em SS Girls, Mattei abraça o absurdo, criando um clima surreal e onírico para contar a história de um bordel criado para espionar oficiais nazistas. Passado longe dos horrores dos campos de concentração, SS Girls é dirigido com mão mais leve do que Women’s Camp 119. O foco aqui é a decadência moral dos oficiais nazistas, o que dá fôlego ao filme conforme ele deixa de ser uma simples cópia de Salon Kitty e apresentar ideias próprias.
Gabriele Carrara, Marina Daunia, que trabalharam com Mattei em Women’s Camp 119, retornam no papel dos responsáveis pela administração do bordel, ao lado de Macha Magall, de The Beast in Heat. O processo de seleção e treinamento das prostitutas é idêntico ao de Salon Kitty, inclusive reaproveitando Salvatore Baccaro como um monstro estuprador. Os cenários do bordel refletem as restrições orçamentárias, então não há nada parecido com os enormes quartos espelhados ou as luxuosas cenas musicais do filme de Tinto Brass.
O roteiro de Mattei e Bonacquisti compensa essa pobreza da produção com uma série de bizarrices memoráveis. A começar pelo personagem do Comandante Schellenberg (Gabriele Carrara), numa atuação exagerada que tenta ser intensa mas se torna risível. Num dos momentos mais famosos do filme, Schellenberg se fantasia de bispo católico para julgar um grupo de oficiais que planejavam assassinar Hitler. É o tipo de momento que só poderia acontecer em um nazi-exploitation, e jamais seria aceitável em nenhum outro gênero cinematográfico.
Mattei se diverte criando cenas de delírio visual, e estabelece um clima de pesadelo durante toda a trama. Como costuma acontecer em seus filmes, mesmo as partes ruins oferecem algo de memorável, seja nas performances, cenários ou no roteiro. Não é à toa que o cineasta possui uma legião de fãs ao redor do mundo até hoje, e o título de pior do mundo é um exagero que serve apenas para atrair mais pessoas para a sua filmografia.
Espectadores usuais do nazi-exploitation vão notar a forte semelhança entre o clímax de SS Girls e o de Fräuleins in Uniform. Não apenas por conta das situações semelhantes, mas porque Mattei copiou e colou a cena de batalhas de tanque do filme de Erwin C. Dietrich, editando-as dentro do seu filme sem jamais dar crédito ao diretor original. Essa era uma prática comum no cinema italiano exploitation, de mascarar baixo orçamento, copiando e colando trechos de filmes feitos com mais dinheiro.
SS Girls é um ótimo exemplo de entretenimento nazi-exploitation, desde que o espectador saiba o que tem pela frente. Não-iniciados provavelmente terminarão a sessão sem saber o que tirar da obra. Baixo, barato e apelativo, é um exemplo clássico de nazi-exploitation feito para esse público tão específico, e como tal é mais do que satisfatório. Infelizmente Mattei nunca voltou ao gênero que compreendia melhor do que muitos, mas deixou nele sua marca indelével.
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