Friday, January 26, 2024

SS Experiment Love Camp (1976) e SS Camp 5: Women's Hell (1977)




 O cinema exploitation não funcionava de maneira coordenada. Tendências iam e viam, na maior parte das vezes influenciadas por grandes produções de sucesso. Quando Pier Paolo Pasolini lançou sua versão do Decameron de Giovanni Boccaccio em 1971, ele não imaginava que estava criando um novo subgênero. Logo, o gênero decamerótico explodiu com filmes como Il Decamerone proibito (1972), Il decamerone nero (1972), Decameron n° 3 - Le più belle donne del Boccaccio (1972).

Estes filmes copiavam a estrutura do filme de Pasolini, com diversas histórias curtas e picantes passadas na época medieval. O decamerótico morreu logo, mas foi só Pasolini lançar o episódio seguinte da sua trilogia da vida, Os Contos de Canterbury, que o mundo viu nascer o canterburyxploitation. Filmes como Canterbury n° 2 - Nuove storie d'amore del '300 (1973), Canterbury proibito (1972), Gli altri racconti di Canterbury (1972) tinham uma estrutura similar, e  surgiram e desapareceram com a mesma velocidade que os decameróticos.

O fenômeno do nazi-exploitation foi semelhante. O ano de 1977, logo após o sucesso de Ilsa e Salon Kitty, viu uma quantidade imensa de filmes do gênero, número que despencou no ano seguinte. Hoje em dia, esses filmes podem ser encontrados na internet ou até em edições especiais em DVD. Mas eles não foram feitos para durar. O objetivo do nazi-exploitation, como qualquer cinema exploitation da época, era criar filmes baratos e apelativos, que pudessem ser exibidos em salas de cinema igualmente baratas, para faturar um trocado e então serem esquecidos. Eles precisavam ter bastante nudez e apelarem para o tema em voga na época. E valia tudo para economizar na produção.

O que nos leva SS Experiment Love Camp (1976) e SS Camp 5: Women's Hell (1977). Analisar esses filmes separadamente seria uma tarefa inglória e redundante. Dirigidos pelo especialista em faroeste spaghetti Sergio Garrone, os dois filmes foram rodados ao mesmo tempo, nos mesmos cenários, com a mesma equipe e praticamente o mesmo elenco. Dessa forma, Garrone conseguiu produzir dois filmes pelo preço de um, aproveitando a maré alta dos nazi-exploitation e inaugurando a sua era de ouro.

Uma sessão dupla destas obras dá uma estranha sessão de déjà vu. O roteiro de SS Experiment Love Camp ficou por conta de Garrone e Sergio Chiusi e Vinicio Marinucci, todos especialistas em exploitation. Já SS Camp 5: Women's Hell  conta com os mesmos roteiristas Garrone e Marinucci, além de Tecla Romanelli que não tem mais nenhum crédito expressivo. Várias ideias e personagens são reutilizados entre as obras, mesmo que as tramas sigam caminhos diferentes. Assim, os pontos e positivos e negativos são basicamente os mesmos em ambos.



SS Experiment Love Camp, o primeiro dos dois a ser lançado, gira em torno de experimentos genéticos realizados com cobaias humanas. O campo é comandado pelo Coronel von Kleiben (Giorgio Cerioni, figura carimbada do nazi-exploitation), que vê nessas experiências uma forma de escapar da sua própria deficiência física, tendo sido castrado ao tentar estuprar uma garota no front russo. Seu objetivo é receber um transplante de testículos de um homem saudável, de preferência alemão. Para isso, ele coage o médico do campo, Dr. Steiner (Attilio Dottesio) que, na verdade é um judeu sob identidade falsa, a fazer a operação. Há também subtramas envolvendo tentativas de fuga e o romance entre uma prisioneira e um dos oficiais em serviço no campo.

O roteiro de SS Camp 5: Women's Hell é menos coeso. Mais uma vez Giorgio Cerioni interpreta um coronel envolvido em experimentos, que desenvolve uma obsessão pela prisioneira jamaicana Alina (Rita Manna, uma das poucas atrizes do elenco que não esteve no filme anterior). Attilio Dottesio reprisa o papel do médico judeu trabalhando em experimentos, e desta vez tem uma filha, Edith (Paola Corazzi, que fez a personagem Mirella em SS Experiment Love Camp) que vive entre as outras prisioneiras. O último ato envolve diversas reviravoltas, até desembocar na familiar imagem de um levante de mulheres nuas dizimando guardas com metralhadoras.

Ainda assim ambos os filmes seguem um tom mais sério, com direito a exibição de fotografias reais de vítimas do Holocausto entrecortando a trama. De acordo com Garrone, seu objetivo era criar reflexão através do choque, criando no espectador a sensação de estar dentro daquele horror. Para tanto, ele pega pesado na violência sexual aberrante que permeia as duas obras.

No elenco, há de se destacar a misteriosa atriz Patrizia Melega, em seus dois únicos créditos cinematográficos. Dublada por Carolyn De Fonseca, Melega encarna em ambos os filmes o papel de nazistas lésbicas que tentam seduzir prisioneiras e acabam pagando caro por isso. Melega possui uma presença inquietante, especialmente em SS Experiment Love Camp onde sua personagem é uma das médicas do campo. Seu olhar frio é a coisa mais assustadora dos dois filmes, e é uma pena que não tenha continuado sua carreira como atriz depois de SS Camp 5: Women's Hell.

Com todas as semelhanças evidentes, SS Experiment Love Camp ainda é um filme superior. As diversas subtramas, embora excessivas, ainda assim convergem para uma mesma conclusão, o que não acontece em SS Camp 5: Women's Hell. Ainda que os atores interpretem personagens bastante semelhantes entre um filme e outro, o roteiro de SS Experiment Love Camp lhes proporciona motivações mais interessantes, tornando a trama mais dinâmica que a de seu sucessor.



É de se esperar que haja alguma evolução de qualidade entre um filme e outro, ainda mais por serem tão semelhantes. Mas isso é em vão. Por exemplo, um dos pontos mais fracos de SS Experiment Love Camp é o efeito especial dos corpos de prisioneiras sendo incinerados nos fornos. Isso é feito através de uma sobreposição da imagem de chamas sobre um take das atrizes se contorcendo de dor, com um resultado involuntariamente cômico. Garrone não aprendeu a lição, e repetiu o truque em SS Camp 5: Women's Hell em um momento desnecessário. Esse é apenas um dos erros que poderiam ter sido corrigidos ao fazer o segundo filme, o que não aconteceu por conta da produção corrida.

Na época do seu lançamento, SS Experiment Love Camp entrou na lista dos video nasties - filmes com lançamento proibido na Inglaterra. Quando foi finalmente liberado no país em 2005, a BBFC lançou a seguinte nota:

O conteúdo no filme é na verdade moderado e mal feito. No fim das contas, foi o título do filme e sua embalagem original que causaram dificuldades, muito mais do que o conteúdo. A ideia do filme pode, é claro, ser ofensiva para alguns, mas isso não é razão suficiente para cortá-lo ou rejeitá-lo. Só se deve cortar um filme para adultos se seu conteúdo for ilegal ou danoso. SS Experiment Camp não é ilegal nem danoso, é só de mau gosto.

A referência à embalagem original diz respeito à capa do VHS que mostra uma garota nua pendurada de cabeça para baixo por uma corda. Essa cena ocorre no filme quando uma das prisioneiras ataca um nazista depois de ser estuprada por ele, e é deixada nessa posição para servir de exemplo para as outras.

Como muitos nazi-exploitations, os filmes de Garrone receberam diversos títulos ao serem lançados ao redor do mundo. No caso de Ss Experiment Love Camp destaca-se o bizarro título alemão Lager SSadis Kastrat Kommandantur (em tradução livre, O Sádico Comandante Castrado do Campo de Concentração) enquanto SS Camp 5: Women's Hell  recebeu o delicado título francês de Roses rouges pour le Führer (Rosas Vermelhas para o Führer). Na Grécia os filmes foram lançados como Dachau e Dachau no. 2, passando a ideia de que ambos se passam no famoso campo de concentração austríaco.

Lançados na Itália com poucos meses de diferença (16 de novembro de 1976 e 11 de janeiro de 1977, respectivamente) essas duas obras de Garrone deram o pontapé no ano mais prolífico do nazi-exploitation. Se os filmes que foram lançados até então ainda estavam consolidando o gênero, foi em 1977 que ele se tornou realmente rentável, e teve o grosso de suas produções lançadas. É o que analisaremos a partir do próximo capítulo.


Thursday, January 18, 2024

Liebes Lager (1976)




 Liebes Lager é uma completa aberração dentro do nazi-exploitation. Ao mesmo tempo em que pertence sem dúvidas ao filão, guarda pouca semelhança com seus pares. É talvez o único filme do gênero que se assume completamente como uma comédia erótica, recheado de piadas maliciosas e picantes que soam deslocadas na ambientação de um campo de prisioneiros da Segunda Guerra. Mesmo assim, não consegue ser sempre consistente com esse tom, o que prejudica bastante o seu desenvolvimento.

Se isso não fosse absurdo o bastante, Liebes Lager ainda tenta passar uma mensagem feminista nos seus primeiros momentos, que trazem o seguinte letreiro:

Os fatos narrados nesse filme não aconteceram de verdade, mas podiam acontecer. Porque em qualquer situação, sob qualquer regime, em qualquer clima, a união dos homens para subjugar e objetificar as mulheres é imediata, espontânea e frequentemente fatal. Sob este perfil, este filme pretende ser uma homenagem simbólico à mulher, à sua luta para escapar à falocracia.

Além de forçado, esse letreiro soa cínico considerando o teor do que se segue. Liebes Lager se passa em um campo especial. As prisioneiras não são judias nem soldadas capturadas em batalha, mas sim as filhas e esposas de oficiais nazistas traidores. O campo é tocado com mão de ferro pelo Comandante Werner (Karl Koenig), que, tendo perdido seus testículos em batalha, não admite nenhum tipo de comportamento sexual no lugar. Com o fim da guerra se aproximando, o comandante é deposto num motim e os oficiais remanescentes decidem transformar o campo em um bordel para ganhar dinheiro com os americanos marchando em território alemão.

Com uma trama simples e ritmo relativamente ágil, Liebes Lager tem um tom ingênuo e alegre, pontuado pelas piadas tacanhas e a trilha sonora jovial de Alessandro Alessandroni. O filme tenta criar comédia com a figura do médico do campo, Dr. Fanning (Luciano Pigozzi), mas as suas piadas se tornam cansativas bem rápido. Fanning é obcecado em medir o tamanho da corda necessária para cada enforcamento, e acaba se tornando vítima do próprio sistema que criou.



Há ainda uma participação de Kieran Canter, ator conhecido dos fãs de exploitation pelo papel do psicopata de Buio Omega, que tenta injetar uma dose de romance na trama ao se apaixonar por uma prisioneira com a qual tenta escapar. É o único personagem masculino em todo o filme que não objetifica as mulheres ao seu redor, mesmo quando é posto para coordenar o banho coletivo das prisioneiras.

Na segunda metade do filme, um exército de soldados americanos se tornam os maiores clientes do bordel organizado pelos nazistas. Eles são retratados como bufões atrapalhados, que pagam por sexo com suas alianças de casamento e dentes de ouro. Ao invés de salvação e alívio, a chegada das tropas aliadas traz apenas mais algozes para atormentar as garotas do campo. Num caso raro para o nazi-exploitation, em Liebes Lager faz a decadência não é mais exclusividade dos membros Terceiro Reich. Aqui, todos os homens se tornam inimigos de todas as mulheres, remetendo à falocracia do letreiro inicial.

Tendo sido lançado nove meses após o lançamento de Salon Kitty, em pleno Natal de 1976, o filme foi rapidamente tirado de circulação e julgado perdido por décadas, até que uma cópia em VHS surgiu nos anos 1990. Pouco se sabe sua da produção, mas vale citar que foi o último filme escrito e dirigido por Lorenzo Gicca Palli (creditado como Vincent Thomas). Em sua curta carreira, Palli passeou por vários gêneros, do decamerótico ao western e filme de piratas. Após Liebes Lager, ele roteirizou mais dois outros filmes para terceiros e sumiu do mundo do cinema.

Não fica claro se a intenção dos realizadores aqui era ganhar dinheiro em cima do sucesso de Salon Kitty, como muitos dos nazi-exploitation que se seguiram. Mas, tendo em vista a data em que foi lançado e a rapidez com que certamente foi feito, não é uma hipótese a se descartar. Não era incomum para filmes do tipo utilizarem os cenários, figurinos, armas e veículos remanescentes de produções mais luxuosas, e este parece ser o caso aqui. O cenário do campo de prisioneiras, em particular, é enorme, com pátio, cercas de arame farpado, cadafalso, chuveiros e dormitórios impressionantes para um filme tão barato.

A violência de Liebes Lager jamais chega a ser gráfica. Há uma boa quantidade de enforcamentos e tiros que não deixam buracos, além de violência sexual, mas nada perto dos experimentos, torturas e canibalismo que povoam o gênero. A sequência final, onde as prisioneiras pegam em armas e se vingam de seus captores, tenta retomar a mensagem feminista do letreiro inicial, mas a esse ponto o espectador já viu sacanagem demais para absorver a ideia.

Chega a ser frustrante escrever sobre um filme com tão poucas referências, mas já é um milagre poder pôr as mãos em uma cópia de Liebes Lager. É certamente um filme apenas para os estudiosos de nazi-exploitation, e mesmo estes irão estranhar esta pequena e bizarra obra. Liebes Lager serve para mostrar que as regras do gênero são maleáveis, e que este não pode ser reduzido a meia dúzia de chavões, como muitos acreditam.


Friday, January 12, 2024

Salon Kitty (1976)




 Através de toda a filmografia nazi-exploitation, o sexo é representado como uma forma de exercer poder sobre os mais fracos ou como uma exploração da decadência do poder nazista. O Terceiro Reich é retratado como um império de aparências, onde a rigidez e disciplina militar servem para mascarar a essência pervertida de seus oficiais, ao mesmo tempo que a alimenta. A Europa em guerra se torna um mercado de carne a céu aberto, onde esses homens e mulheres de farda preta e chicote encontram à sua disposição todos os corpos que necessitam para satisfazer seus desejos, sem culpa e sem punição.

Salon Kitty (1976) oferece uma alternativa a essa abordagem. Neste filme, o sexo apresenta várias facetas, às vezes repulsivo e degradante, por outras, inocente, burlesco ou simplesmente cômico. Essa complexidade, aliada a uma produção luxuosa e um elenco de respeito, coloca o filme num patamar mais alto do que a maioria dos nazi-exploitation. Para alguns, Salon Kitty não deve ser sequer encaixado no gênero, e merece ser enquadrado como um neo-decadente, ficção que inclui obras como Os Deuses Malditos (1969), Cabaré (1972) e Pasqualino Sete Belezas (1975).

Não é objetivo deste livro aprofundar no gênero neo-decadente, mas é importante notar que estes filmes são primos próximos do nazi-exploitation. A diferenciação mais vulgar entre os dois é que os neo-decadentes tem “algo a dizer”, enquanto o nazi-exploitation são - como o nome diz - filmes de exploração, feitos para faturar um trocado sobre um tema em voga.  Por mais simplista (e até mesmo pedante e preconceituosa) que essa definição possa ser, ela ajuda a compreender o que torna Salon Kitty um filme especial. Seria o longa de Tinto Brass uma sátira política ou um caça níqueis? É destinado a cinéfilos sérios ou ao público grindhouse que só quer uma dose de violência e sexo? E, mais importante, é possível que seja as duas coisas ao mesmo tempo?

Essa questão diz respeito diretamente ao cenário do filme, um bordel alemão utilizado, ao mesmo tempo, para prazer e política. Os coronéis e generais que se hospedam no Salon Kitty para uma noitada de bebida e perversão mal desconfiam que, entre aquelas paredes, sua lealdade ao regime nazista está sendo testada. Acreditando estarem protegidos pelo sigilo da alcova, eles deixam escapar não apenas os seus fetiches, mas também segredos militares que podem levá-los à corte marcial.

Apesar da sua atmosfera satírica e levemente surreal, Salon Kitty é baseado em um fato histórico, e é bastante acurado em suas linhas gerais. Na Alemanha nazista, Madame Kitty Kellerman (Ingrid Thulin) é a orgulhosa dona do bordel que dá título ao filme. Sem interesses políticos, Kitty vive para o prazer de entreter os seus clientes das formas mais variadas. O prazer não é para ela uma ferramenta política, mas um meio de vida, o que é posto em xeque com a chegada de Helmut Wallenberg (um infernal Helmut Berger) que tem planos diferentes para o bordel. Sob as ordens de seu superior Biondo (John Steiner), Wallenberg é incumbido de transformar o Salon Kitty em uma máquina de espionagem. Microfones são instalados em cada quarto para captar cada palavra dita pelos clientes. Além disso, é necessário se livrar de todas as moças da casa, substituindo-as por espiãs treinadas. 



A primeira parte da missão envolve recrutar moças por toda a Alemanha para se tornarem as novas garotas da casa. Além da beleza física, essas garotas devem ser absolutamente fiéis a Hitler, pois caberá a elas descobrir entre os seus clientes aqueles que estão planejando trair o regime nazista. Após serem recrutadas, elas precisam passar por uma série de testes, que inclui uma orgia com um batalhão de soldados e provas sexuais com pessoas deformadas e “não-arianas”. As que passam nessa etapa são enviadas para Madame Kitty, que, decepcionada pela rigidez militar demonstrada pelas garotas, decide que elas precisam de mais treinamento. Agora que aprenderam a ser espiãs, precisam aprender a ser meretrizes.

Dentre as selecionadas, destaca-se Margherita (Teresa Ann Savoy), jovem de família abastada e completamente fissurada pelo nazismo, que se torna objeto de obsessão de Wallenberg. É Margherita a verdadeira protagonista de Salon Kitty, e ela começa a questionar a filosofia nazista ao se apaixonar pelo soldado Hans (Bekim Fehmiu). Além de encontrar o amor no lugar mais improvável - a cama de um bordel - ela também encontra a monstruosidade do regime que vem seguindo, quando perde o seu amado da forma mais irônica possível.

O líder da operação, Helmut Wallenberg, é uma presença inquietante por todo o filme. Wallenberg é a epítome do personagem que usa o nazismo como um meio para os seus próprios fins. Ele faz uso da máquina de guerra do Terceiro Reich, e das informações obtidas pelas suas espiãs, para satisfazer seus fins pessoais. Seu apartamento é decorado por obras de arte confiscadas por conta de seu teor artístico, e sua esposa (interpretada por Tina Aumont) é uma escrava sem voz e sem glamour. Wallenberg é, acima de tudo, um narcisista incapaz de ser fiel a qualquer regime ou a qualquer causa. Sua presença se torna maior do que tudo, e, no terceiro ato do filme, isso se reflete no seu figurino, conforme explicitado por von Dassanowsky (2011):

Wallenberg se apresenta como o Übermensch (super-homem) nazista completo com um figurino prateado de super-herói da SS, consumindo cocaína e posando na frente de espelhos. (...) Ele enfim aparece para Margherita em outro bizarro figurino brilhante, desta vez preto e com uma longa capa preta e vermelha - uma mistura de super-vilão de quadrinhos, Drácula e um padre Católico.

A trama se apoia nesse instável tripé entre uma personagem (Kitty) que despreza o nazismo, outra (Margherita) que perde a confiança no regime, e um terceiro (Wallenberg) que o usa para o seu próprio prazer. Sustentados por este tripé estão as garotas do Salon Kitty, muitas delas pelos seus próprios arcos, o que culmina com o bombardeio em Berlim que destrói a casa e põe um fim à operação de espionagem.

Tendo sido recrutadas por conta de sua fidelidade ao Führer, essas garotas se veem de frente a uma realidade diferente. Dentro das alcovas, os oficiais do alto comando se provam figuras patéticas, como no caso do general que usa calcinha e ligas por baixo do uniforme, ou outro cuja fantasia é simular sexo oral numa baguete moldada no formato de pênis. Algumas delas são capazes de rir dessas situações, enquanto outras entram em pânico ao descobrir a verdadeira natureza daqueles homens que se declaram a nata da humanidade.



Salon Kitty não é apenas um nazi-exploitation ordinário com um orçamento maior. Trata-se da obra mais seminal e importante para o gênero, mais até do que Ilsa, She Wolf of the SS. O conceito do bordel utilizado para espionar oficiais foi reaproveitado à exaustão no gênero, de formas mais ou menos criativas, como uma ambientação alternativa aos campos de concentração. A influência mais direta foi sobre SS Girls (1977), cuja primeira metade é uma verdadeira refilmagem do filme de Brass. Outras obras como Nazi Love Camp 27 (1977) e Red Nights of the Gestapo (1977) conseguiram criar tramas mais criativas ao redor do conceito. Até mesmo o trailer falso Werewolf Women of the SS (2007) apresenta um trecho que remete aos interlúdios de Salon Kitty.

No elenco, além da presença de Ingrid Thulin e Helmut Berger (que interpretaram mãe e filho em Os Deuses Malditos) e de Teresa Ann Savoy (que voltaria a trabalhar com Tinto Brass em Calígula (1979)) é interessante notar a presença de alguns coadjuvantes que voltariam ao nazi-exploitation. John Steiner que interpreta o oficial Biondo, responsável pela criação da Operação Kitty, estrelou naquele mesmo ano em Deported Women of the SS Special Section, novamente no papel de um nazista. Tina Aumont, que faz a esposa de Wallenberg, teria uma breve mas memorável cena em Holocaust Part 2 (1980). Malisa Longo, que faz a dominatrix Helga, seria dona de seus próprios bordéis em Fraulein Kitty (1977) e Helga, la louve de Stilberg (1978). Salvatore Baccaro, que faz o homem com traços de neandertal utilizado para testar as garotas do Salon Kitty voltaria a fazer o mesmo papel em SS Girls e, mais tarde, o monstro estuprador de Beast in Heat (1977). E ainda é bom citar a ponta de Aldo Valletti, de Salò, ou os 120 Dias de Sodoma (1975)  como um dos clientes do bordel.

Com essa profusão de referências e trocas com o resto do nazi-exploitation, fica claro que Salon Kitty é uma ponte essencial entre o que foi feito antes e depois do seu lançamento. Não apenas por apresentar chavões e clichês que seriam reutilizados at nauseam, mas por mostrar que havia, sim, público cativo para esse tipo de filme. Ainda hoje, pode ser visto como cinema sério ou pornô softcore de luxo, e possui méritos em ambas as categorias.


Friday, January 5, 2024

Deported Women of the SS Special Section (1976)






 Há uma aura artística em Deported Women of the SS Special Section (1976) que adiciona um sabor diferente à sua trama batida. Em sua essência, trata-se de um filme de mulheres na prisão, mas que se destaca por ser filmado com mais esmero que o usual. O diretor Rino di Silvestri era um legítimo auteur do cinema exploitation, tendo roteirizado todos os filmes que dirigiu. Essa dedicação fica clara ao longo do filme, por mais barato e apelativo que ele possa ser. Di Silvestri fez questão de fazer o filme o mais acurado possível, tendo pesquisado exaustivamente os figurinos e construindo personagens complexos e bem definidos.

Pertencendo à fase inicial do nazi-exploitation, Deported Women of the SS Special Section faz pouco das convenções do gênero, embora decididamente pertença ele. A intenção é claramente fazer um filme de guerra sério, embora sem economizar no sexo, nudez e violência. Seu maior trunfo é a ambientação do campo de concentração instalado em um castelo medieval, o que contribui para o tom pesado e claustrofóbico do filme. As cenas interiores (praticamente a metragem inteira) foram filmadas no Castelo Bracciano em Roma, diferente da maioria dos nazi-exploitation, que eram rodados em fábricas abandonadas ou cenários remanescentes de outros filmes.

O campo recebe um carregamento de prisioneiras, algumas das quais serão utilizadas como prostitutas, enquanto outras serão usadas como cobaias em experimentos. Dentre as garotas destacam-se a acrobata italiana Angela Modena (Stefania D’Amario), a francesa Monique Dupré (Sara Sperati, de Salon Kitty) e, principalmente Tania Nobel (Lina Polito). Polonesa de família aristocrata, Tania é velha conhecida do comandante do campo, Herr Erner (John Steiner, também de Salon Kitty), que nutre por ela uma paixão insatisfeita. Vendo-se de posse do objeto de sua obsessão, Erner se dedica a torturar Tania psicologicamente até que ela se entregue a ele. O filme também apresenta um personagem curioso na figura de Dobermann (Guido Leontini) o capanga mudo de Herr Erner, que remete aos assistentes corcundas de cientistas loucos em antigos filmes de horror.

O tema de subjugação sexual permeia o filme inteiro, seja no desejo das guardas pelas prisioneiras, ou na frustração de Erner por não conseguir dominar Tania, apesar de todos os seus esforços. Essa frustração é descontada em Dobermann, na cena mais perturbadora do filme. Erner é um personagem patético e claramente impotente. Incapaz de tomar Tania a força, seu desejo é que ela se entregue a ele por vontade própria. Ciente disso, a garota prepara uma armadilha com um pedaço de rolha com lâminas de barbear introduzida na sua vagina, castrando o comandante bem quando ele acreditava ser capaz de tomá-la.




John Steiner entrega uma interpretação peculiar como Herr Einer, por vezes contido, às vezes exagerado e cartunesco. Ator prolífico do cinema exploitation, Steiner é hoje um corretor de imóveis bem-sucedido, e já provou ser capaz de atuações melhores com um roteiro mais coeso à sua disposição. Há ecos do seu personagem no comandante von Starker de Gestapo’s Last Orgy (1977) e, principalmente em Hans Schellenberg de SS Girls (1977).

Mas Erner não é a única fonte de violência sexual em Deported Women of the SS Special Section. Monique Dupré é abusada por uma das guardas, sendo forçada a transar com ela enquanto as outras dormem. A cena é filmada no melhor estilo exploitation, embora seja difícil imaginar alguém se sentindo excitado dentro desse contexto. Já o momento mais tenso é quando Angela Modena tenta uma fuga escalar a muralha do campo sem sucesso, sendo executada em seguida. Suas companheiras acabam descobrindo que a melhor rota de fuga não é passando por cima dos muros, mas por baixo deles, por uma passagem secreta construída pelos donos originais do castelo.

Outro momento marcante, e que dialoga diretamente com o tema central do filme, decorre da descoberta do romance entre a e um oficial. Despidos e forçados a copular na frente do campo inteiro, eles dividem uma pílula de cianeto num último beijo, morrendo juntos. Um momento melodramático poderoso que não faria feio em uma produção mainstream, mas que infelizmente perde boa parte do seu efeito por conta de problemas de edição.

Deported Women of the SS Special Section é um filme com personalidade própria, e confiante nos seus próprios méritos. Não tenta forçar comédia em momento nenhum e, mesmo sendo um sexploitation, trata o tema com respeito e sobriedade. Mesmo que essas pretensões não sejam completamente atingidas, ainda é um dos melhores exemplares do nazi-exploitation já produzidos.