Thursday, January 18, 2024

Liebes Lager (1976)




 Liebes Lager é uma completa aberração dentro do nazi-exploitation. Ao mesmo tempo em que pertence sem dúvidas ao filão, guarda pouca semelhança com seus pares. É talvez o único filme do gênero que se assume completamente como uma comédia erótica, recheado de piadas maliciosas e picantes que soam deslocadas na ambientação de um campo de prisioneiros da Segunda Guerra. Mesmo assim, não consegue ser sempre consistente com esse tom, o que prejudica bastante o seu desenvolvimento.

Se isso não fosse absurdo o bastante, Liebes Lager ainda tenta passar uma mensagem feminista nos seus primeiros momentos, que trazem o seguinte letreiro:

Os fatos narrados nesse filme não aconteceram de verdade, mas podiam acontecer. Porque em qualquer situação, sob qualquer regime, em qualquer clima, a união dos homens para subjugar e objetificar as mulheres é imediata, espontânea e frequentemente fatal. Sob este perfil, este filme pretende ser uma homenagem simbólico à mulher, à sua luta para escapar à falocracia.

Além de forçado, esse letreiro soa cínico considerando o teor do que se segue. Liebes Lager se passa em um campo especial. As prisioneiras não são judias nem soldadas capturadas em batalha, mas sim as filhas e esposas de oficiais nazistas traidores. O campo é tocado com mão de ferro pelo Comandante Werner (Karl Koenig), que, tendo perdido seus testículos em batalha, não admite nenhum tipo de comportamento sexual no lugar. Com o fim da guerra se aproximando, o comandante é deposto num motim e os oficiais remanescentes decidem transformar o campo em um bordel para ganhar dinheiro com os americanos marchando em território alemão.

Com uma trama simples e ritmo relativamente ágil, Liebes Lager tem um tom ingênuo e alegre, pontuado pelas piadas tacanhas e a trilha sonora jovial de Alessandro Alessandroni. O filme tenta criar comédia com a figura do médico do campo, Dr. Fanning (Luciano Pigozzi), mas as suas piadas se tornam cansativas bem rápido. Fanning é obcecado em medir o tamanho da corda necessária para cada enforcamento, e acaba se tornando vítima do próprio sistema que criou.



Há ainda uma participação de Kieran Canter, ator conhecido dos fãs de exploitation pelo papel do psicopata de Buio Omega, que tenta injetar uma dose de romance na trama ao se apaixonar por uma prisioneira com a qual tenta escapar. É o único personagem masculino em todo o filme que não objetifica as mulheres ao seu redor, mesmo quando é posto para coordenar o banho coletivo das prisioneiras.

Na segunda metade do filme, um exército de soldados americanos se tornam os maiores clientes do bordel organizado pelos nazistas. Eles são retratados como bufões atrapalhados, que pagam por sexo com suas alianças de casamento e dentes de ouro. Ao invés de salvação e alívio, a chegada das tropas aliadas traz apenas mais algozes para atormentar as garotas do campo. Num caso raro para o nazi-exploitation, em Liebes Lager faz a decadência não é mais exclusividade dos membros Terceiro Reich. Aqui, todos os homens se tornam inimigos de todas as mulheres, remetendo à falocracia do letreiro inicial.

Tendo sido lançado nove meses após o lançamento de Salon Kitty, em pleno Natal de 1976, o filme foi rapidamente tirado de circulação e julgado perdido por décadas, até que uma cópia em VHS surgiu nos anos 1990. Pouco se sabe sua da produção, mas vale citar que foi o último filme escrito e dirigido por Lorenzo Gicca Palli (creditado como Vincent Thomas). Em sua curta carreira, Palli passeou por vários gêneros, do decamerótico ao western e filme de piratas. Após Liebes Lager, ele roteirizou mais dois outros filmes para terceiros e sumiu do mundo do cinema.

Não fica claro se a intenção dos realizadores aqui era ganhar dinheiro em cima do sucesso de Salon Kitty, como muitos dos nazi-exploitation que se seguiram. Mas, tendo em vista a data em que foi lançado e a rapidez com que certamente foi feito, não é uma hipótese a se descartar. Não era incomum para filmes do tipo utilizarem os cenários, figurinos, armas e veículos remanescentes de produções mais luxuosas, e este parece ser o caso aqui. O cenário do campo de prisioneiras, em particular, é enorme, com pátio, cercas de arame farpado, cadafalso, chuveiros e dormitórios impressionantes para um filme tão barato.

A violência de Liebes Lager jamais chega a ser gráfica. Há uma boa quantidade de enforcamentos e tiros que não deixam buracos, além de violência sexual, mas nada perto dos experimentos, torturas e canibalismo que povoam o gênero. A sequência final, onde as prisioneiras pegam em armas e se vingam de seus captores, tenta retomar a mensagem feminista do letreiro inicial, mas a esse ponto o espectador já viu sacanagem demais para absorver a ideia.

Chega a ser frustrante escrever sobre um filme com tão poucas referências, mas já é um milagre poder pôr as mãos em uma cópia de Liebes Lager. É certamente um filme apenas para os estudiosos de nazi-exploitation, e mesmo estes irão estranhar esta pequena e bizarra obra. Liebes Lager serve para mostrar que as regras do gênero são maleáveis, e que este não pode ser reduzido a meia dúzia de chavões, como muitos acreditam.


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