Friday, January 26, 2024

SS Experiment Love Camp (1976) e SS Camp 5: Women's Hell (1977)




 O cinema exploitation não funcionava de maneira coordenada. Tendências iam e viam, na maior parte das vezes influenciadas por grandes produções de sucesso. Quando Pier Paolo Pasolini lançou sua versão do Decameron de Giovanni Boccaccio em 1971, ele não imaginava que estava criando um novo subgênero. Logo, o gênero decamerótico explodiu com filmes como Il Decamerone proibito (1972), Il decamerone nero (1972), Decameron n° 3 - Le più belle donne del Boccaccio (1972).

Estes filmes copiavam a estrutura do filme de Pasolini, com diversas histórias curtas e picantes passadas na época medieval. O decamerótico morreu logo, mas foi só Pasolini lançar o episódio seguinte da sua trilogia da vida, Os Contos de Canterbury, que o mundo viu nascer o canterburyxploitation. Filmes como Canterbury n° 2 - Nuove storie d'amore del '300 (1973), Canterbury proibito (1972), Gli altri racconti di Canterbury (1972) tinham uma estrutura similar, e  surgiram e desapareceram com a mesma velocidade que os decameróticos.

O fenômeno do nazi-exploitation foi semelhante. O ano de 1977, logo após o sucesso de Ilsa e Salon Kitty, viu uma quantidade imensa de filmes do gênero, número que despencou no ano seguinte. Hoje em dia, esses filmes podem ser encontrados na internet ou até em edições especiais em DVD. Mas eles não foram feitos para durar. O objetivo do nazi-exploitation, como qualquer cinema exploitation da época, era criar filmes baratos e apelativos, que pudessem ser exibidos em salas de cinema igualmente baratas, para faturar um trocado e então serem esquecidos. Eles precisavam ter bastante nudez e apelarem para o tema em voga na época. E valia tudo para economizar na produção.

O que nos leva SS Experiment Love Camp (1976) e SS Camp 5: Women's Hell (1977). Analisar esses filmes separadamente seria uma tarefa inglória e redundante. Dirigidos pelo especialista em faroeste spaghetti Sergio Garrone, os dois filmes foram rodados ao mesmo tempo, nos mesmos cenários, com a mesma equipe e praticamente o mesmo elenco. Dessa forma, Garrone conseguiu produzir dois filmes pelo preço de um, aproveitando a maré alta dos nazi-exploitation e inaugurando a sua era de ouro.

Uma sessão dupla destas obras dá uma estranha sessão de déjà vu. O roteiro de SS Experiment Love Camp ficou por conta de Garrone e Sergio Chiusi e Vinicio Marinucci, todos especialistas em exploitation. Já SS Camp 5: Women's Hell  conta com os mesmos roteiristas Garrone e Marinucci, além de Tecla Romanelli que não tem mais nenhum crédito expressivo. Várias ideias e personagens são reutilizados entre as obras, mesmo que as tramas sigam caminhos diferentes. Assim, os pontos e positivos e negativos são basicamente os mesmos em ambos.



SS Experiment Love Camp, o primeiro dos dois a ser lançado, gira em torno de experimentos genéticos realizados com cobaias humanas. O campo é comandado pelo Coronel von Kleiben (Giorgio Cerioni, figura carimbada do nazi-exploitation), que vê nessas experiências uma forma de escapar da sua própria deficiência física, tendo sido castrado ao tentar estuprar uma garota no front russo. Seu objetivo é receber um transplante de testículos de um homem saudável, de preferência alemão. Para isso, ele coage o médico do campo, Dr. Steiner (Attilio Dottesio) que, na verdade é um judeu sob identidade falsa, a fazer a operação. Há também subtramas envolvendo tentativas de fuga e o romance entre uma prisioneira e um dos oficiais em serviço no campo.

O roteiro de SS Camp 5: Women's Hell é menos coeso. Mais uma vez Giorgio Cerioni interpreta um coronel envolvido em experimentos, que desenvolve uma obsessão pela prisioneira jamaicana Alina (Rita Manna, uma das poucas atrizes do elenco que não esteve no filme anterior). Attilio Dottesio reprisa o papel do médico judeu trabalhando em experimentos, e desta vez tem uma filha, Edith (Paola Corazzi, que fez a personagem Mirella em SS Experiment Love Camp) que vive entre as outras prisioneiras. O último ato envolve diversas reviravoltas, até desembocar na familiar imagem de um levante de mulheres nuas dizimando guardas com metralhadoras.

Ainda assim ambos os filmes seguem um tom mais sério, com direito a exibição de fotografias reais de vítimas do Holocausto entrecortando a trama. De acordo com Garrone, seu objetivo era criar reflexão através do choque, criando no espectador a sensação de estar dentro daquele horror. Para tanto, ele pega pesado na violência sexual aberrante que permeia as duas obras.

No elenco, há de se destacar a misteriosa atriz Patrizia Melega, em seus dois únicos créditos cinematográficos. Dublada por Carolyn De Fonseca, Melega encarna em ambos os filmes o papel de nazistas lésbicas que tentam seduzir prisioneiras e acabam pagando caro por isso. Melega possui uma presença inquietante, especialmente em SS Experiment Love Camp onde sua personagem é uma das médicas do campo. Seu olhar frio é a coisa mais assustadora dos dois filmes, e é uma pena que não tenha continuado sua carreira como atriz depois de SS Camp 5: Women's Hell.

Com todas as semelhanças evidentes, SS Experiment Love Camp ainda é um filme superior. As diversas subtramas, embora excessivas, ainda assim convergem para uma mesma conclusão, o que não acontece em SS Camp 5: Women's Hell. Ainda que os atores interpretem personagens bastante semelhantes entre um filme e outro, o roteiro de SS Experiment Love Camp lhes proporciona motivações mais interessantes, tornando a trama mais dinâmica que a de seu sucessor.



É de se esperar que haja alguma evolução de qualidade entre um filme e outro, ainda mais por serem tão semelhantes. Mas isso é em vão. Por exemplo, um dos pontos mais fracos de SS Experiment Love Camp é o efeito especial dos corpos de prisioneiras sendo incinerados nos fornos. Isso é feito através de uma sobreposição da imagem de chamas sobre um take das atrizes se contorcendo de dor, com um resultado involuntariamente cômico. Garrone não aprendeu a lição, e repetiu o truque em SS Camp 5: Women's Hell em um momento desnecessário. Esse é apenas um dos erros que poderiam ter sido corrigidos ao fazer o segundo filme, o que não aconteceu por conta da produção corrida.

Na época do seu lançamento, SS Experiment Love Camp entrou na lista dos video nasties - filmes com lançamento proibido na Inglaterra. Quando foi finalmente liberado no país em 2005, a BBFC lançou a seguinte nota:

O conteúdo no filme é na verdade moderado e mal feito. No fim das contas, foi o título do filme e sua embalagem original que causaram dificuldades, muito mais do que o conteúdo. A ideia do filme pode, é claro, ser ofensiva para alguns, mas isso não é razão suficiente para cortá-lo ou rejeitá-lo. Só se deve cortar um filme para adultos se seu conteúdo for ilegal ou danoso. SS Experiment Camp não é ilegal nem danoso, é só de mau gosto.

A referência à embalagem original diz respeito à capa do VHS que mostra uma garota nua pendurada de cabeça para baixo por uma corda. Essa cena ocorre no filme quando uma das prisioneiras ataca um nazista depois de ser estuprada por ele, e é deixada nessa posição para servir de exemplo para as outras.

Como muitos nazi-exploitations, os filmes de Garrone receberam diversos títulos ao serem lançados ao redor do mundo. No caso de Ss Experiment Love Camp destaca-se o bizarro título alemão Lager SSadis Kastrat Kommandantur (em tradução livre, O Sádico Comandante Castrado do Campo de Concentração) enquanto SS Camp 5: Women's Hell  recebeu o delicado título francês de Roses rouges pour le Führer (Rosas Vermelhas para o Führer). Na Grécia os filmes foram lançados como Dachau e Dachau no. 2, passando a ideia de que ambos se passam no famoso campo de concentração austríaco.

Lançados na Itália com poucos meses de diferença (16 de novembro de 1976 e 11 de janeiro de 1977, respectivamente) essas duas obras de Garrone deram o pontapé no ano mais prolífico do nazi-exploitation. Se os filmes que foram lançados até então ainda estavam consolidando o gênero, foi em 1977 que ele se tornou realmente rentável, e teve o grosso de suas produções lançadas. É o que analisaremos a partir do próximo capítulo.


No comments:

Post a Comment