Friday, April 26, 2024

K-Tzenik e Stalag: As Origens Literárias do Nazi-Exploitation



O gênero que conhecemos hoje como nazi-exploitation surgiu na literatura judaica, mais especificamente na obra do autor Yehiel De-Nur, ou K-Tzenik 135633, como é mais conhecido. Nascido em Sosnowiec na Polônia em 1909, K-Tzenik foi um dos primeiros sobreviventes do Holocausto a escrever a respeito dos horrores cometidos em Auschwitz pelos alemães. Seu livro mais famoso foi House of Dolls (1953) onde uma personagem judia é aprisionada e enviada para a Joy Division (divisão do prazer) do campo, uma ala onde ela deveria servir como prostituta para os oficiais da SS. A líder desse “campo do amor” era uma oficial chamada Elsa, protótipo da personagem título do maior clássico do cinema nazi-exploitation, Ilsa - She Wolf of the SS. (1975).

O nome K-Tzenik é acrônimo das letras KZ, que são a sigla de Kozentrationlager, ou “campo de concentração” em alemão. Já o número 135633 estava tatuado no braço do autor, e era a única identidade que ele possuía em Auschwitz. Assim, assinando os livros como K-Tzenik 135633, o autor procurava escrever não em nome de um indivíduo, mas de todos os que foram vítimas dos campos.





Em seus livros, K-Tzenik exorcizou sua experiência de uma forma catártica. Suas histórias não tiravam o pé do acelerador quando se tratava de representar o sexo e violência presentes nos campos. Seu primeiro livro, Salamandra (1946), se passa numa versão fictícia do Gueto de Varsóvia, e envolvem momentos de puro brilhantismo literário, como aquele em que o protagonista descreve um forno do lado de dentro. Em uma obra posterior, The Called Him Piepel (1961) o autor conta história de um garoto usado como escravo sexual por um kommando dentro de um campo de concentração.

Foi através da obra de K-Tzenik que a maior parte da geração de judeus israelitas nascidos depois do fim da guerra conheceu os horrores do Holocausto. Ele continuou lançando novelas no tema até o final dos anos 1980, e veio a falecer em 2001. Sua identidade revelada ao público em 1961, em Israel, quando ele testemunhou no julgamento de Adolf Eichmann, o organizador do Holocausto. Encarando Eichmann frente a frente, K-Tzenik - ou melhor, Yehiel De-Nur - desmaiou e teve que ser levado ao hospital com os nervos em frangalhos.

Ironicamente, foi esse julgamento que deu popularidade à chamada literatura Stalag. Essas eram novelas baratas, vendidas como sendo traduções de originais americanos, mas que eram na verdade redigidas primeiramente em hebraico. Os Stalags contavam histórias de campos nazistas onde prisioneiros americanos eram feitos reféns por voluptuosas oficialas, loucas para levá-los para a cama. Os livros Stalag já circulavam há algum tempo, mas suas vendas cresceram exorbitantemente com o julgamento de Eichmann, e por sua vez iriam gerar o que conhecemos como cinema nazi-exploitation.

Lançado em 1961, Stalag 13, o livro Stalag de maior popularidade durante o julgamento, possui uma trama bastante parecida à de Ilsa, She Wolf of the SS, na qual um piloto inglês é feito prisioneiro e submetido a diversas práticas sexuais bizarras, incluindo estupro e sadomasoquismo. Assim como em Ilsa, os prisioneiros conseguem reverter o jogo. O livro alcançou vendas exorbitantes que chegaram a 80 mil cópias vendidas, e várias imitações se seguiram.

I Was Colonel’s Schultz’s Private Bitch apresentou uma protagonista feminina, uma jovem francesa prisioneira em um campo comandado pelo temível Coronel Schultz. A tendência, ao contrário da obra de K-Tzenik, é utilizar protagonistas que são prisioneiros de guerra, e não judeus sendo enviados para o extermínio. Apesar disso, o livro foi banido de Israel em 1963, e todas as cópias foram queimadas.



Isso não impediu o sucesso dos Stalags, que continuaram com toda força até 1965. Assim como a obra de K-Tzenik, os Stalags foram a porta de entrada para muitos jovens judeus para conhecerem o que havia acontecido ao seu povo durante a guerra. Não se pode também subestimar o fato de serem a única literatura erótica amplamente disponível no país na época, o que sem dúvida contribuiu para sua popularidade. A partir do banimento de Colonel Schultz, os livros Stalag foram declarados ilegais em Israel, mas continuaram circulando por muito tempo em cópias piratas. Algo semelhante aconteceria mais tarde quando os filmes do subgênero nazi-exploitation foram declarados ilegais na Alemanha.

O relacionamento entre o Coronel Schultz e a vítima protagonista foi a base para diversos filmes nazi-exploitation. Pode-se fazer um paralelo com o relacionamento possessivo entre Tania Nobel e Herr Erner em Deported Women of the SS Special Section; ou a obsessão maligna e destrutiva que o Comandante von Starker nutre por Lise Cohen em Gestapo’s Last Orgy. Nos dois casos, as heroínas fazem uso desse poder sobre seus captores, senão para reconquistar a liberdade, ao menos para dar o troco por todo o sofrimento causado pelos nazistas.

Friday, April 19, 2024

Blitzkrieg: Escape from Stalag 69 (2008)



Em 2008, o cineasta independente Keith J. Crocker tomou para si a missão de revitalizar o gênero nazi-exploitation com o filme Blitzkrieg: Escape from Stalag 69. O timing era excelente, já que Werewolf Women of the SS havia sido lançado na sessão dupla de Grindhouse no ano anterior, e uma leva de filmes no mesmo estilo estava sendo lançada. Conversei com Crocker na época e ele me enviou o DVD de seu filme para que eu o resenhasse no blog antigo. Infelizmente, não fui capaz de fazer uma crítica positiva.

Blitzkrieg: Escape from Stalag 69 é uma zona sem nada de interessante. A trama se passa num campo de prisioneiros liderado por Helmut Schultz (Charles Esser, péssimo), um comandante sádico supostamente baseado na figura de Charles Manson. A caracterização de Schultz é patética, com um sotaque alemão forçado e uma farda da SS pequena demais para ser abotoada no peito.



A trama dedica bastante tempo a Schultz, mas há mais personagens coadjuvantes aqui do que em Magnólia. Há uma dançarina de cabaré, um valoroso soldado americano, a irmã de Schultz que tenta seduzir esse soldado, um padre vitima de experimentos, entre tantos outros que servem para esticar a duração do filme a imperdoáveis duas horas.

Entre tantos personagens, o destaque é Natasha, interpretada por Tatyana Kot, uma mulher russa que castra um nazista na banheira (homenagem ao clássico exploitation A Vingança de Jennifer) e escapa nua, usando apenas botas e uma metralhadora para matar mais nazis. Se o filme tivesse se focado nela, talvez teríamos algo digno de nota.

A produção do filme é preguiçosa, com direito a água digital numa cena de tortura por afogamento e personagens femininas com tatuagem lombar em pleno ano 1945. Tudo isso poderia ser perdoado se o filme fosse mais curto e tivesse características próprias do gênero, como o bordel nazista ou o campo do amor. O mais perto que chega disso é uma curta cena com uma criatura feita por experimentos científicos, semelhante à de Beast in Heat, mas ela aparece por pouco tempo. No mais, uma tremenda oportunidade perdida e uma tentativa fracassada de revitalizar o nazi-exploitation.

Friday, April 12, 2024

Werewolf Women of the S.S. (2007)


Em 2007, Quentin Tarantino e Robert Rodriguez lançaram o projeto Grindhouse, onde propunham uma sessão dupla de filmes inspirados no exploitation setentista. Rodriguez foi responsável por Planeta Terror, um divertido filme de zumbis que, no entanto, falha em capturar o espírito dos filmes da época. Tarantino foi mais bem sucedido com À Prova de Morte, um tributo a filmes de corrida de carro. Ensanduichados entre os dois longas, havia quatro trailers falsos: Machete (de Rodriguez), Thanksgiving (de Eli Roth), Don't (de Edgar Wright) e Werewolf Women of the S.S., de Rob Zombie.

Werewolf Women of the S.S é uma homenagem ao cinema nazi-exploitation, trazendo em sua curta duração diversos elementos caros ao subgênero. Zombie, que a princípio considerou fazer um WIP (filmes de mulheres na prisão), entende a anarquia narrativa que impera em filmes como Beast in Heat e os nazi-exploitations de Sergio Garrone—suas maiores influências aqui.



Werewolf Women of the S.S se passa no Campo da Morte 13, onde o tenente Boorman (Tom Towles) recebe um comando do Commandant Franz Hess (Udo Kier) para administrar o Projeto Puro Lobo, um experimento científico que transformaria mulheres em super-soldadas lobisomulheres. O Puro Lobo é o projeto de estimação do Dr Heinrich von Strasser (Bill Moseley), um cientista louco inspirado em Josef Mengele que faz experimentos com prisioneiras para atingir os seus objetivos.

Puro Lobo se torna uma prioridade para os nazistas, que precisam apelar para a ajuda das She Devils of Bedlzak: as irmãs Gretchen (Sybil Danning) e Eva Krupp (Sheri Moon Zombie). O trailer não deixa claro qual seria a participação delas, exceto de que são duas irmãs sádicas que são mostradas marcando suásticas com ferro em brasa em prisioneiras. Eva é mostrada também cantando uma canção em alemão num palco improvisado, levando Boorman às lágrimas.



Com a chegada dos Aliados, os nazistas precisam apelar para a ajuda do arqui-vilão Fu Manchu (Nicolas Cage), um criminoso chinês advindo dos livros pulp de Sax Rohmer. Cage está obviamente histérico, e o fato de não termos um filme inteiro com ele fazendo Fu Manchu é um absurdo. O vilão parece mais preocupado em conseguir um cinnabon (uma espécie de pão de canela) do que em dominar o mundo. A verdade é que Cage se ofereceu como ator para Zombie durante um encontro social, mas não sentia confortável interpretando um nazista. Daí surgiu o conceito de incluir Fu Manchu na trama.

Apesar de Grindhouse ter sido um fracasso de bilheteria, dois de seus trailers se tornaram longas: Machete e Thanksgiving. As chances de Rob Zombie transformar Werewolf Women of the S.S em um longa são mínimas, ainda mais depois que Tom Towles morreu e Udo Kier se recusou a trabalhar com o diretor de novo. Zombie chegou fazer uma canção com o título do filme, e prometeu transformar a trama em história em quadrinhos, mas o projeto não vingou. Por enquanto, Werewolf Women of the S.S se sustenta como o último representante legítimo do nazi-exploitation.

Friday, April 5, 2024

Fantasmas de Sodoma (1991)



 O ano é 1991. O nazi-exploitation já está destruído, morto, enterrado e esquecido. Eis que uma estranha produção surge na TV italiana. Uma película dirigida pelo mestre Lucio Fulci, famoso por obras como Zumbi - A Volta dos Mortos, A Casa do Cemitério e Terror das Trevas.

Já longe de sua época de glória, Fulci preparou um filme de fantasmas tedioso e esquecível, mas que ainda assim foge do convencional e algumas ideias interessantes. Na trama, um grupo de amigos em viagem de férias vai pedir ajuda num casarão quando o seu carro quebra. Aparentemente abandonada, a mansão se mostra suntuosa do lado de dentro, com grandes quartos, mobiliário caro, comida e bebida à vontade e alguns estranhos rolos de filme.

O casarão foi palco da última orgia de um grupo de oficiais nazistas, cujos fantasmas ainda assombram o lugar. Ao contrário da maioria dos filmes de casa assombrada, os espíritos aqui não estão a fim de matar ou torturar as vítimas, mas sim incluí-las nos seus jogos sexuais.

Originalmente rodado em 1988, Fantasmas de Sodoma é o último suspiro do último suspiro do nazi-exploitation, juntando elementos de A Catedral, Garotas da SS, Terror nas Trevas e de O Anjo Exterminador de Luis Buñuel.

O maior mérito de Fantasmas de Sodoma é ter sido incluído em Um Gato no Cérebro, obra seminal de Lucio Fulci lançada em 1991 - antes da primeira exibição de Fantasmas de Sodoma. Última obra-prima de Fulci, Um Gato no Cérebro traz o próprio diretor como protagonista: um cineasta de horror que tem dificuldade de separar os seus filmes da realidade. Cenas de diversos filmes anteriores de Fulci foram incluídas nessa obra, inclusive cenas dos nazistas jogando bilhar e conduzindo a sua última orgia.

No elenco de Fantasmas de Sodoma, há de se destacar as participações especiais e não creditadas de Al Cliver e Zora Kerova, ambos veteranos da filmografia de Fulci. Cliver esteve em Zombi e Terror nas Trevas, e aqui interpreta um nazista embriagado. Símbolo sexual do cinema exploitation italiano, Zora Kerova interpreta um súcubo (vampiro sexual) que tenta seduzir um dos protagonistas. Ela trabalhou com Fulci em um dos seus melhores filmes, O Estripador de Nova York, e esteve em filmes importantes como Cannibal Ferox e O Antropófago.

Como curiosidade, o líder dos nazistas foi interpretado por Robert Egon, que em 1990 interpretou um nazi mais famoso. Egon interpretou a versão jovem do personagem Caveira Vermelha no filme Capitão América, desastrosa tentativa de trazer o personagem da Marvel para as telas. A diferença é que o estúdio Cannon, responsável por Capitão América, resolveu transformar o Caveira em italiano, ao invés de alemão. A versão mais velha do personagem foi interpretada por Scott Paulin.