Friday, December 15, 2023

Fräuleins in Uniform (1973)




 O que faz Fräuleins in Uniform (1973, também conhecido como Eine Armee Gretchen, She Devils of the SS, The Cutthroats e Fraulein Without Uniform) único dentre os nazi-exploitation? Além do fato de se tratar de uma produção suíça e de ter origens em um livro escrito por um ex-soldado alemão, o filme se destaca por fugir completamente da estrutura narrativa baseada nos Stalag. Fräuleins in Uniform é mais uma comédia erótica do que um filme de guerra. Aqui não há heróis americanos ou vítimas judias sofrendo nas mãos dos nazistas em campos de concentração. Também, ao contrário de praticamente todos os outros filmes nazi-exploitation feitos antes e depois, o roteiro não explora as crueldades cometidas pelos nazistas durante o Holocausto.Todos os personagens de Fräuleins in Uniform são alemães, em sua maioria nazistas, e o filme está mais preocupado em retratar decadência através de inúmeras cenas de sexo do que em chocar por violência explícita e torturas.

Fräuleins in Uniform foi baseado no livro Eine Armee Gretchen de Karl Heinz Helms-Liesenhoff, lançado em 1947. O livro é o primeiro de uma série de romances estrelado pelas moças do batalhão conhecido como Gretchen. Helms-Liesenhoff era um soldado alemão que fugiu para a Suíça em 1943 após ser condenado por deserção. Os livros foram redigidos durante esse exílio, com o objetivo de mostrar o quanto o serviço militar era capaz de corromper pessoas inocentes.

Mais focado no crescimento pessoal e na perda de sanidade das suas personagens, o romance foi um sucesso de vendas na época do seu lançamento. Na trama, o Dr. Felix Kuhn (interpretado no filme por Carl Möhner) é um ginecologista alemão contrário ao partido nazista. Encarregado da avaliação física de garotas voluntárias para servir no front, ele declara a maior parte delas inapta para o serviço. Mas Kuhn é logo descoberto, e como punição toda a sua família é enviada para o serviço, inclusive suas filhas. Uma vez alistadas no serviço feminino popularmente conhecido como as Gretchen, as filhas do Dr. Kuhn são apresentadas a um mundo de depravação perpetrado pelos homens e mulheres no front.

Embora as descrições sejam vívidas, o livro passa longe do erotismo cartunesco apresentado na versão cinematográfica. A diferença de intenções, mais uma vez, é clara: enquanto Helms-Liesenhoff quis fazer uma crítica à máquina de guerra nazista, a adaptação cinematográfica prefere utilizar essas perversões como um chamariz para o público interessado nas aventuras sexuais de belas e jovens mulheres.

O livro se tornou um best seller e ganhou boas críticas quando foi lançado em 1947, inclusive de jornais alemães e judeus, embora alguns não tenham ficado felizes com o retrato do front de guerra como uma espécie de acampamento dos prazeres. Apesar da polêmica - ou por causa dela - Helms-Liesenhoff logo escreveu mais duas sequências onde conta o que aconteceu com as Gretchen durante o resto da guerra.

Para alguns, o livro Eine Armee Gretchen era um relato contundente sobre o poder corruptor da máquina nazista. Para outros, era apenas um romance barato que explorava o momento mais sombrio da história alemã para apelar para o erotismo descabido - um nazi-exploitation, em suma. Assim como K-Tzenik, Helms-Liesenhoff acreditava na importância da sua obra em retratar o que realmente se passava nos bastidores do conflito. Grande parte de Eine Armee Gretchen tem bases na experiência do autor como soldado desertor do Terceiro Reich, embora muita coisa tenha sido inventada.

Em 1976, Erwin C. Dietrich transformou Eine Armee Gretchen em filme, numa produção suíça destinada ao público alemão. Embora o livro original tivesse ganhado diversas sequências, todas assinadas por Helms-Liesenhoff, o roteiro do filme se baseou apenas no primeiro romance da série, e ainda assim, só cobria as suas primeiras cem páginas.



Fräuleins in Uniform começa numa escola alemã, onde um grupo de garotas passa pela avaliação física necessária para serem mandadas para o front. Todas estão ansiosas para passar no teste, pois querem contribuir para o esforço de guerra em funções como operadoras de telefone, mensageiras e arrumadeiras. Querem também a chance de fugir de suas casas e do controle dos pais para a liberdade do front, onde podem praticar sexo livre com os soldados.

A trama do filme é bastante desconexa, e prefere amontoar cenas eróticas sem critério, em vez de contar uma história coesa. As personagens mais interessantes são as filhas do Dr. Felix Kuhn, Eva (Karin Heske) e Marga (Elisabeth Felchner) que, assim como no livro original, são enviadas contra a vontade para o front, onde precisam lidar não apenas com a guerra, mas também com a perversão generalizada do batalhão Gretchen. Na cena mais marcante do filme, Eva é ferida durante um bombardeio, e enquanto tenta se recuperar numa cabana, é estuprada por um soldado alemão desertor. Outra personagem interessante é Ulrike, interpretada pela belíssima Renat Kasché, uma jovem alemã que, depois de descobrir que tem uma doença terminal, resolve assumir o lugar de sua irmã gêmea idêntica e morrer no lugar dela na guerra.

Se não há exploração da violência e do horror, o filme não deixa a desejar no quesito nudez e sexo. É imensa a quantidade de cenas onde pessoas são pegas fazendo sexo, seja na cama ou no meio do mato, a maioria delas com personagens que não aparecem em outras cenas. Dietrich nem procura detalhar os momentos mais picantes, geralmente cortando logo que os personagens se desnudam ou quando são descobertos no ato por alguma das personagens principais.

O filme começa a se redimir nos vinte minutos finais, a partir de uma cena de batalha de tanques surpreendentemente bem feita. A história dá uma guinada quando as moças do batalhão Gretchen são feitas prisioneiras numa caverna, cabendo aos soldados alemães resgatá-las. Há também um momento poderoso, quando um soldado vindo do front se dá conta do tipo de devassidão que os seus compatriotas estão praticando enquanto tantas pessoas morrem no campo de batalha. Ainda assim é muito pouco, e considerando o fato de que a história do livro não se conclui nesse momento, mas continua o arco das garotas do batalhão Gretchen, é de se imaginar por que Dietrich não cortou boa parte das cenas inúteis que preenchem o seu filme, o que permitiria contar a história completa do romance original. 



Após seu lançamento Frauleins in Uniform foi divulgado por três anos como um filme de guerra sério. Foi apenas depois do sucesso de Ilsa, em 1976, que o filme passou a ser vendido como um nazi-exploitation. Ao ser relançado na Inglaterra e na Austrália na segunda metade dos anos 70, o título foi mudado para Fräulein Without an Uniform. Junto com essa sugestão de nudez, o filme ganhou uma campanha de marketing mais focada no erotismo do que na ação, incluindo um pôster alternativo que mostrava uma bela mulher seminua segurando uma metralhadora. Assim, o filme que nasceu antes que o nazi-exploitation se tornasse um subgênero oficial, foi incorporado a ele, embora tenha sido feito com propósitos totalmente diferentes.

Erwin C. Dietrich foi um dos maiores produtores de cinema exploitation na Europa, tendo trabalhado com lendas do gênero como Jess Franco, Fabrizio de Angelis e Antonio Margheritti. De olho no potencial mercadológico da revolução sexual do fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970, ele produziu, dirigiu, e escreveu dúzias de filmes baratos e apelativos, alguns pobres e risíveis, outros verdadeiras obras de arte. Toda a filmografia de Dietrich foi financiada com recursos próprios, e ele também cuidava da distribuição e exibição dos seus filmes. Em seus trabalhos como diretor, Dietrich geralmente era creditado sob um pseudônimo, mas no caso de Frauleins in Uniform ele assinou a produção e direção com seu nome verdadeiro (o roteiro de sua autoria é creditado ao pseudônimo Manfred Gregor).

Fräuleins in Uniform foi seu único nazi-exploitation legítimo, mas Dietrich ainda assinaria a produção de diversos filmes de mulheres na prisão, incluindo os infames Women in Cellblock 9 (1976) e Barbed Wire Dolls (1977), ambos dirigidos por Jess Franco. O último apresenta uma carcereira sádica que entre uma tortura e outra se entretém com a leitura de Mein Kampf, a autobiografia de Adolf Hitler. É também de Dietrich a produção de Mad Foxes (1981), filme abismal que apresenta uma gangue de motociclistas neonazistas como vilões.

Tendo sido feito entre o início e a consolidação do nazi-exploitation, Fräuleins in Uniform não é uma ponte entre esse dois pontos. Com uma narrativa incomum e contendo uma ingenuidade típica de uma comédia erótica, o filme se assemelha mais a uma ilha perdida entre esses dois momentos distintos. Sua influência no subgênero vem mais da sua campanha de marketing, já que a narrativa não encontra paralelos nos filmes que se seguiram. Longe de ser um exemplar do bom cinema de guerra, ainda assim é uma curiosidade histórica e um guilty pleasure no melhor sentido da palavra.


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