Friday, December 29, 2023

Ilsa: She Wolf of the SS (1975)




 Quando o diretor diretor Don Edmonds e o produtor David F. Friedman lançaram Ilsa, She Wolf of the SS nos cinemas em 1975, o nazi-exploitation ganhou a forma e o escopo que até então lhes faltavam. Se até então os filmes do subgênero haviam sido poucos e inconsistentes, feitos para um público igualmente disperso, agora eles tinham audiência cativa, que queria ver mais filmes naquele estilo.

Guardadas as devidas proporções, Ilsa, She Wolf of the SS foi para o nazi-exploitation o que A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, 1968), foi para os zumbis. Filmes de mortos vivos e produções eróticas envolvendo nazismo já existiam antes dessas obras serem lançadas. Mas tanto Ilsa quanto A Noite dos Mortos Vivos foram responsáveis por enormes saltos nos seus respectivos subgêneros, tornando-os maiores, melhores e mais rentáveis.

A personagem Ilsa teve seu nome e personalidade inspirados nas criminosas de guerra Ilse Koch e Irma Grese, que, assim como sua contraparte fictícia, eram conhecidas por seu sadismo e comportamento psicótico. Ambas possuíam também coleções de objetos de pele humana, como abajures e livros encapados com a pele de seus prisioneiros. Depois da guerra, Ilse foi condenada a prisão perpétua pelo assassinato de 135 pessoas, vindo a cometer suicídio em sua cela em 1967. Grese, por sua vez, foi executada por enforcamento em 1945.

A trama de Ilsa, She Wolf of the SS se passa em um campo de prisioneiros de guerra (não judeus) onde são feitos experimentos científicos com cobaias humanas. A líder do campo é a sádica Major Ilsa (Dyanne Thorne, assustadora), cuja crueldade é rivalizada apenas por seu apetite sexual. Todas as noites, recruta homens entre os prisioneiros e os leva para cama. Aqueles que são incapazes de saciar seus desejos são castrados antes de serem enviados de volta para as suas celas.

É nesse cenário que um carregamento de prisioneiros chega, trazendo duas surpresas para Ilsa. A primeira é Anna (Maria Marx), uma garota com extrema resistência a dor física que se torna cobaia preferida da Major em seus experimentos. A segunda surpresa é Wolfe (Gregory Knoph), o primeiro homem no campo capaz de satisfazer Ilsa sexualmente. Ambos se tornam objetos de obsessão de Ilsa, enquanto os prisioneiros tecem um plano de fuga e vingança contra os nazistas.

O que coloca Ilsa, she Wolf of the SS vários patamares acima de Love Camp 7 é a forma como o filme de Edmonds faz pleno uso do cenário e momento histórico do nazismo. Enquanto Love Camp 7 poderia se passar por um filme de mulheres na prisão com apenas algumas poucas modificações, a trama de Ilsa, She Wolf of the SS não poderia se passar em nenhum outro momento histórico. Não deixa de ser uma ironia que o filme fosse ganhar duas sequências oficiais, Ilsa, Harem Keeper for the Oil Sheiks (1976) e Ilsa, Tigress of Siberia (1977), e outra não oficial, Ilsa, the Wicked Warden, que reinventaram a identidade histórica da personagem, mantendo apenas sua personalidade. Mas como a Ilsa original morre ao fim de Ilsa, She Wolf of the SS, é possível interpretar esses filmes mais como re-imaginações do que sequências.

Isso também eleva o nível de desconforto espectador, afinal de contas o experimentos praticados pelos nazistas em cobaias humanas já foram devidamente estudados e documentados. Embora Ilsa, She Wolf of the SS possua um tom camp e por vezes aventuresco, as cenas de tortura - especialmente contra mulheres - estão entre as mais grotescas que o cinema já produziu.

O roteiro de Ilsa, She Wolf of the SS é simples e funcional, e consegue balancear bem os inúmeros momentos grotescos com o desenvolvimento da história. Recheado de torturas, mortes criativas e momentos de puro sadismo, este é sim um filme de horror. É também uma comédia erótica, uma aventura de guerra e um romance BDSM. Os roteiristas Jonah Royston (que nunca mais fez nada parecido) e John C.W. Saxton (que escreveu o slasher Feliz Aniversário Para Mim (1981) e o filme de ação distópico Os Donos do Amanhã (1982)) merecem destaque por terem conseguido criar uma trama onde todos esses elementos convivem de forma coesa.



Outro aspecto que distingue Ilsa, She Wolf of the SS de outros exemplares do gênero é o cenário utilizado para representar o campo de concentração. Diferente da grande maioria dos nazi-exploitations, que faziam uso de cenas internas e cenários improvisados, Ilsa, She Wolf of the SS tinha a disposição todo o set do seriado Guerra, Sombra e Água Fresca a sua disposição. A série, que se passava num campo de prisioneiros, havia apenas sido cancelada, e o set estava prestes a ser demolido. Isso permitiu não apenas que o filme fosse rodado nele, mas também que o cenário fosse incendiado e demolido na frente das câmeras na cena final, onde os prisioneiros de Ilsa se revoltam contra seus captores.

Embora o papel de Ilsa tenha sido originalmente oferecido a Phillys Davis (que esteve em De Volta ao Vale das Bonecas, 1970) chega a ser inconcebível imaginar outra atriz que não Dyanne Thorne no papel da maior vilã do nazi-exploitation. De acordo com Thorne, que conseguiu o papel através de uma audição, o roteiro que lhe foi oferecido não incluía grande parte das cenas chocantes que foram adicionadas mais tarde - ela nem sequer imaginava que o filme incluía nudez! Atraída pela chance de interpretar uma criminosa de guerra, Thorne nunca imaginou que um personagem tão cruel pudesse se tornar um símbolo sexual - e até hoje rejeita a pecha.

O papel do heróico Wolfe é o único crédito de Gregory Knoph no cinema, e ele consegue fazer um herói simpático e interessante, especialmente por ter como sua maior arma a virilidade sobre humana que faz dele o único homem capaz de satisfazer Ilsa. Maria Marx tem uma performance forte como Anna, a prisioneira resistente a dor que se recusa a pedir misericórdia a Ilsa - prolongando assim o seu sofrimento. A imagem final da personagem, com o corpo e mente destroçados, rastejando pelo quarto para se vingar de Ilsa, é um dos momentos mais perturbadores do filme.

Dentre as vítimas, é necessário fazer uma menção oficial a Uschi Digard, que já havia dado as caras em The Cut Throats, e que aqui tem uma uma ponta como uma prisioneira nua submetida a torturas dentro de uma câmara de descompressão. 

Do lado dos vilões, Ilsa, She Wolf of the SS foi também responsável por apresentar a figura das duas asseclas de Ilsa (interpretadas por Mer McDonald e Rodina Keller), o que se tornaria uma tradição nos filmes oficiais da série. O versátil George ‘Buck’ Flower da série De Volta Para o Futuro e de diversos filmes de John Carpenter aparece aqui como um médico nazista auxiliar de Ilsa. Em meio a todo o sadismo, o filme ainda dá um jeito de ridicularizar a instituição da SS na figura de um general interpretado por Richard Kennedy, que visita o campo para inspecionar o trabalho de Ilsa, e num momento íntimo exige que ela urine nele.

Tanto Kennedy quanto George ‘Buck’ Flower e Uschi Digard voltariam à série em em Ilsa, Harem Keeper for the Oil Sheiks. Dirigido pelo mesmo Don Edmonds, o filme traz uma versão alternativa de Ilsa, empregada como capataz num harém moderno. Embora o contexto seja outro, a personagem continua a mesma, e o filme pode ser apreciado como uma aventura exploitation divertida e sem o estigma de estar ligado ao Holocausto.

Mesmo tendo sofrido novamente um destino atroz ao final de Ilsa, Harem Keeper for the Oils Sheiks, a personagem voltaria uma última vez em Ilsa, the Tigress of Siberia, desta vez como líder de uma gulag comunista na Sibéria. O filme mais fraco da série, Ilsa, the Tigress of Siberia tem ao menos o mérito de estabelecer Ilsa como uma soldada da fortuna, que se faz leal a qualquer ideologia que a permita exercitar o seu sadismo.



Aparte os três filmes oficiais da série, Ilsa teve duas outras aparições não-canônicas. A primeira foi em Ilsa, the Wicked Warden (1977), que fez parte do ciclo de filmes de mulheres na prisão do diretor espanhol Jesus Franco. Embora receba nomes como Greta ou Wanda, dependendo da versão que se assista, a personagem interpretada por Dyanne Thorne tem todos os trejeitos e perversões de Ilsa - com exceção do cabelo ruivo, que contrasta com o loiro utilizado na série oficial. Ela é carcereira em uma prisão feminina, onde também produz filmes snuff para vender no mercado negro. Dyanne Thorne já afirmou em diversas entrevistas que a personagem não tem nada a ver com Ilsa, mas é inegável que a intenção do diretor Franco foi capitalizar em cima da fama da série iniciada com Ilsa, She Wolf of the SS.

A outra aparição não-oficial de Ilsa foi no pornô americano Prisoner of Paradise (1980). Embora tendo uma trama completamente diferente de Ilsa, She Wolf the SS, o filme duas personagens chamadas Ilsa e Greta que funcionavam como versões da personagem original de Dyanne Thorne.

Dirigido por Gail Palmer e Bob Chinn, Prisoner of Paradise estrela a lenda do cinema pornô John Holmes como o marinheiro americano Joe Murrey, que, após perder sua namorada chinesa num bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial, sofre um naufrágio e vai parar em uma ilha aparentemente deserta controlada por um grupo de nazistas. Comandadas pelo oficial Hans (Elmo Lavino, sob o pseudônimo germânica Heinz Müeller), as sádicas Ilsa (Seka) e Greta (Sue Carol). A trama faz pouco ou nenhum sentido (nazistas no Pacífico?) mas Holmes se mostra um galã competente, fazendo de Prisoner of Paradise um entretenimento razoável.

Além das sequências, oficiais ou não, não se pode deixar de mencionar a importância da figura feminina dominadora introduzida por Ilsa no nazi-exploitation. Ela gerou diversas imitações como Elsa (Malisa Longo) de Fraulein Kitty, a Dra. Ellen Kratsch (Macha Magall) de Beast in Heat, Alma (Maristela Greco) de Gestapo’s Last Orgy e Helga (Malisa Longo, novamente) de Helga, She Wolf of Stilberg. A personagem é também citada diretamente através das irmãs Krupp, interpretadas por Sheri Moon Zombie e Sybill Danning no trailer de Werewolf Women of the SS. Hoje, é impossível desvincular a personagem do nazi-exploitation, e a figura de Dyanne Thorne no uniforme da SS é a primeira imagem que vem à cabeça quando o gênero é citado.

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